terça-feira, 31 de dezembro de 2019

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

domingo, 29 de dezembro de 2019

Amena

Parte de mim, tão vulnerável,
se acha amada,
querida, segura
no que é dito.
A outra
talvez por debaixo da roupa
se ouve desejável,
livre, desejada,
mais que pura.
Em como me tens às vezes eu mal acredito.

27/12/2019

sábado, 28 de dezembro de 2019

Bianca e o pássaro azul - excerto

Pela janela, Andrea ouvia os cortejos fúnebres de Bianca, feitos com a pompa e circunstância dignas de uma princesa coroada. Após uma breve cerimônia religiosa, o corpo foi levado para ser sepultado no cemitério particular que ficava nas terras do castelo. Parte dele desejava ir até lá e consolar a rainha, mas ele sabia que não era possível. Alguns dos príncipes e rapazes nobres que andavam frequentando a corte para quem sabe serem escolhidos como esposo de Bianca estavam presentes; a maioria carrancuda por não terem tido a oportunidade que ele teve de conhecer minimamente um coração e mente como os dela, outros provavelmente por terem de voltar para casa sem uma noiva a tiracolo e um dote no bolso. Isso pareceu a Andrea um sinal de que os primeiros eram boas pessoas, no fim das contas. Pelo menos era nisso que ele escolhia acreditar.
Junto com o sol que se punha, nuvens carregadas do sul logo deixaram a cabana de Andrea no escuro e se aproximaram de onde o funeral acontecia para deixar a atmosfera ainda mais pesada. A última prece era dita pelo sacerdote e as primeiras pás de terra preta eram depositadas sobre o caixão de cerejeira enquanto Andrea se postava frente ao altar de sua antiga mentora e queimava um incenso pensando nela; pedia-lhe perdão pelo que havia feito e havia de fazer. Tentava consolar-se com o fato de que a escolha final tinha sido de Bianca, que ele não a forçara a nada. Ele conhecia as leis e não tinha medo de pagar seus preços.
O barulho das folhas nas árvores, o cheiro delas e os gritos das mulheres indicavam que uma tempestade estava a caminho; Andrea deixou que viesse para varrer a casa, purificar a aura ali dentro. A corte mal teve tempo de encerrar a coisa toda antes que o primeiro relâmpago ribombasse no céu. Ele ficaria quieto, esperaria… Assim que tudo o que pudesse ouvir fossem as corujas e talvez o tilintar reconfortante de um chuvisco, ele cumpriria a promessa e buscaria Bianca do fundo da terra antes que fosse tarde demais.
A hora propícia chegou e ele saiu da cabana com uma pá numa mão, uma coberta de lã na outra (tentando o máximo possível mantê-la seca) e envolto numa capa de frio mais para evitar que lhe vissem o rosto do que para abrigar da chuva que já não era tão forte, porém recusava-se a cessar. Ficou ensopado nos poucos minutos que levou para analisar o lamaçal sobre o túmulo e encontrar um jeito de penetrá-lo e com o tempo que passava começou a tremer de frio e esforço, mordendo a dor nos braços e mãos junto com os lábios. Tinha que ser o mais rápido possível para que nenhum serviçal o pegasse.
Não conseguiu evitar acariciar as pontas mais próximas de si do cabelo de Bianca que escapavam da mortalha sobre o rosto dela quando finalmente abriu o caixão. Assim que pôde recuperar o fôlego, tomou um gole da velha poção apenas por garantia, abaixou-se e deixou um beijo na moça, um como das primeiras vezes. O coração de Andrea batia rápido na expectativa de que o processo funcionasse e quase saiu pela garganta quando olhou em volta e depois para Bianca e notou que ela franziu a testa e mexeu os olhos e alguns dedos da mão rapidamente, como alguém faz em estado de sono profundo, tendo sonhos. Pelo jeito ela era tão forte quanto ele imaginava e logo estaria totalmente de volta da escuridão.
Envolveu-a no cobertor e tentou tirá-la com cuidado do caixão e sem tropeçar. Primeiro depositou-a próximo à beirada da cova. Tampou tudo e assim que possível colocou a terra enlameada de volta, ouvidos atentos a qualquer movimento. Como ainda chovia provavelmente ninguém repararia que o túmulo recente havia sido remexido. Respirou fundo outra vez e levantou Bianca da grama apertando-a mais no cobertor e contra o peito, embora agora estivesse basicamente molhado e sujo como um gato sem dono. Ria para consigo da sorte que tinha. A princesa pesava um pouco por causa do cansaço do próprio Andrea e de sua rigidez cadavérica, mas de resto parecia serena, vulnerável e viva.
- Ah, mo grá… - Ah, meu amor… - suspirou Andrea ao chegar em casa com Bianca e sentar-se com ela na cadeira de balanço por alguns minutos, velando-lhe o sono profundo. Depois deitou-a de lado na larga cama da Senhora e acendeu uma lamparina para que a moça não acordasse no breu, acrescentando mais cobertas sobre ela. Dona Bianca pareceu sussurrar alguma coisa que ele não entendeu, então ele apenas deu de ombros e foi tomar um banho quente para não pegar uma gripe.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

22/12/2019

suddenly you find out what you desire and crave most. 
you find out what you're drawn to. 
and then you meet all the layers involved in that desire, 
how what you are drawn to makes you who you are
and can take you to what you desire... 
and you must understand and respect those layers 
because they are what will make you the whole person you deserve to be.
and desire for something is what moves us, 
what makes us knights in the tarot 
if we allow ourselves to be like them.

domingo, 22 de dezembro de 2019

Da terra

Talvez tenha a ver com a terra,
senhora velha
que foi tomada, viu guerra
mas não perdeu a centelha

que te chama ao seu mar,
ao solo de que és feito
em carne e emoção, que hás de cavar
até ser ao final dele sujeito.

Não somos feitos do pó?
O pó da Terra não faz parte?
Nisso nenhum de nós está só,
dentro da verdade há tanta arte...

Mas amar é renascer em vida e depois da morte
dentro da memória.
Quem tiver sorte
já tem contada parte da história.

22/12/2019

sábado, 21 de dezembro de 2019

Knight of pentacles

Brave knight,
what will you face this night,
what to your king shall you provide?

You are quick, you are eager
to show your lord, your master
that you care for the bigger,

that you are up to the task.
That anything just he might ask
for is his and yours to bask

on. And who are you in every swift motion
if not a heart of honest devotion,
its own final conclusion

playing by rules you choose to obey
and just trust? Even if the sky goes grey
you return to yourself at the end of the day.

21/12/2019

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

09/10/2019

the things one learns before one even speaks... 
they are to be ours forever 
if we embrace them.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

04/11/2019

Ele era tudo 
e qualquer coisa.
Sábio como
um bom rei,
um amigo gentil,
um amante quente
e apaixonado.

- trecho do meu diário

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

13/05/2011

Eu sei que seu coração está ferido, que você está se sentindo triste, magoada e sozinha. Mas não se preocupe, tudo passa. O tempo passa, os amores passam, pessoas entram e saem de nossas vidas
todos os dias. Mas o que importa de verdade é quem você é, o que a vida fez de você na essência, porque como você mesma disse, "a vida é muito mais que corações partidos, tristezas e medo". 

Então (...) escuta (...) e confia na vontade do tempo, que, apesar das mazelas e armadilhas, também colocou pessoas puras em teu caminho. Um dia, as respostas vão chegar e muitas coisas vão mudar. Só te resta esperar e viver, porque você é forte e já passou por coisas muito piores. Acredite em si mesma e no caráter que a vida te deu. Não abandone seus ideais; lute por eles sempre. Vai passar (...).

Você não está sozinha. Basta que você continue passando por cima do que te machuca sem perder o sorriso ou esconder a lágrima quando ela vem.

P.S.: Controle os impulsos, todos eles.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Feitura

Meu passarinho
amado,
senhor da tua casa,
cervo, homem,
veado
coroado...

Eu em teus braços, sempre,
sou uma flor em tuas mãos,
uma árvore do teu bosque,
uma mulher,
uma folha da grama por onde passas...

Mostra-me o outro lado,
abra-me o caminho,
na minha frente
o meu e o sagrado
em brasa...

Mais humilde das majestades,
fale através de mim.
Senhor, todos os meus nomes
tu sabes
em seus pares
que o tempo contou.
Flanco em que me encoste,
diz-me a quem
teu eco alcançou,
a súdita que te amou...

16/12/2019

domingo, 15 de dezembro de 2019

15/12/2019

Por que as pessoas
que mais me dão paz
e mais me fazem crescer
têm de viver
fisicamente tão longe
de mim?

sábado, 14 de dezembro de 2019

Blessed be the fruit

Small, smooth, pretty one,
blushy red
in my bed,
kissed by the sun.

With a turn I bite
the other side
and juice runs down her skin
like it happens with a woman,
if you know what I mean.

You just keep on going
until the killing
with maybe only seeds left behind
and a mouth just as clean.

13/12/2019

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

12/12/2019

(...) 
even if death takes his breath, 
he’s still alive in the hope that he remains in the lover’s memory
with his gratitude, his love, his dedication. 
nothing can kill that. nothing can kill the mark you leave on others.
(...)
nothing can kill what is made from love and truth.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Tomada

Eu te amo tanto
por não pedir por mais nada
além de mim feita em cascata
se já sou tão tua
quem sabe desde quando...

Posse que não me anula.

O que quer que tenha tomado
do que é preciso, querido, mantido
contigo é ainda mais sagrado
e fincado como espada e bandeira
de país nunca perdido.

A liberdade só justifica a gula.

12/12/2019

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

15/10/2019

(...)
Sei que certas coisas
são o que são;
que outras podem ser alteradas
e ficar em paz consigo mesmas.
Que mesmo que eu não tenha certeza,
pode haver algo mais lá fora
e eu posso aprender com isso.
Não sei se isso é fé...

- trecho do meu diário

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

True shape

Is this who I am meant to be,
a forest, a sacred tree,
a bedewed clearing?

Is that what you like to see,
a beast unhinged, free,
meeting another wild thing?

Is this what you want of me,
a she-wolf, a bird, a lioness,
not just a body, but a garden?

By nature's subtle decree
in the pit of darkness
a sole truth, not a burden?

Look at us, the left behind,
the forgotten, the strange,
so powerful, yet so shy.

It took time, but the wind
came with a change
and made us meet eye to eye.

9 de dezembro de 2019

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

An exercise

I can be cruel, oh yes.
I can say and do the worst things.
I can kill a man with my bare hands.
But I can be kind too...
With myself... And to you.

9 de dezembro de 2019

domingo, 8 de dezembro de 2019

19/09/2019

Acho que é essa a razão
de eu estar orgulhosa
dos meus poemas (...) até agora.
Não é apenas imagem e fraseado
mais refinados.
Sou eu sendo mais crua
e honesta e respeitosa
comigo mesma e
com as palavras que vêm a mim.

sábado, 7 de dezembro de 2019

01/10/2019

(...)
embora o que eu provavelmente
mais precise seja fé em mim mesma.
E há muita poesia, beleza, amor e
complexidade em tudo isso.
E esta é uma linguagem
que uma poeta sempre entende.
Além disso, foi o amor
que me fez poeta.

- trecho do meu diário

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Estribilho

Agora que vieste
te quero comigo,
dentro de mim,
saindo pelos poros
como uma paixão.

Que este
seja o maior perigo
corrido até depois do fim
da harmonia nos coros...
A minha verdadeira danação.

6 de dezembro de 2019

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

19/09/2019

Se cada poema é um filho, 
livros de poema são o brilho dos olhos desses filhos, 
espalhados para quem queira pegar.

domingo, 1 de dezembro de 2019

17/09/2019

Existem tantas coisas nas mulheres que não foram feitas para serem embelezadas porque não estão lá para o julgamento do olhar, muito menos do olhar masculino. As mulheres têm todo o direito de serem feias e de se sentirem feias aos próprios olhos.

E a raiva masculina é tão feia, tão diferente da feminina. Acho que o que é bonito para mim não é a raiva em si, mas nos permitirmos ficar zangadas e não ficar guardando. (...) Acho que os homens não conseguem lidar com a raiva de uma mulher, afinal.

- trecho do meu diário

sábado, 30 de novembro de 2019

Of envies

You, young and old all at once,
just like me.
Wild and free
like I've always wanted to be.
If such kingdom has a door and a key,
I shall not miss the chance.

29/11/2019

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Double edged sword

The way
you dismantle
under my praise
is here to say
I too can be gentle
in whatever phase,
not just to amaze.

21/11/2019

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Intriga

Vertigem ao contrário
em queda deliciosa ao temerário.
Ainda mais quando a urgência
parece pertencer à inteligência
do complexo
qualquer convexo
nome que isso tenha,
seja qual for sua senha.



19/11/2019

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Escritura

Não importa como
nem quem o fez
mas agora sou consciente
de carne e corpo,
capa de tomo
ardente
do externo
que faz do interno
eterno
e todo
um talvez
gentil
diante do outro
e deste vil
e se apraz
por si, por cima do mas,
ultrapassa
a mudança na massa
com esperança.

19/11/2019

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Inventário

Um dia aceitarão os fatos
de corpo feito de pelos
e para vestidos
e beijos,
pés que não entendem sapatos,
cabelos soltos,
sem muito jeito,
como poucos
peitos
que assim, livres, sensíveis, fartos
e macios
carregam coração e defeitos
e ainda hão de mudar
mas que meus e juntos
são um lar
que nada há de derrubar.

15/11/2019

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

domingo, 24 de novembro de 2019

12/11/2019

women are powerful in their anger, 
their hunger, their fertility, their skills, 
their sensitivity, all of those in themselves. 
we know hunger and blood and pain 
better than anyone, and we are stronger 
when we understand that, 
and when we respect each other. 
I am more fragile than I like to appear, 
but also way stronger than I could ever imagine. 
If that doesn't make me proud of being a woman
and whomever I am, nothing will.

sábado, 23 de novembro de 2019

Gravidez

Para mim eu volto
antes que o calendário acabe
acertando o torto
e agarrando o que me cabe
assim como aquele dia
chegou antes do que deveria.

9 de novembro de 2019

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Entre linhas

Quem mais fala
quase sempre guarda
o que realmente mais abala
debaixo da farda.

5 de novembro de 2019

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Voto de silêncio

Para ser sincero
e se me perguntasses,
te diria que agora quero
juntas as nossas faces.

Em volta do teu pescoço no meu desejo
feito de um beijo
infinito,
lento, gentil e de boca cheia,
não tão sensato
que te faça ronronar como gato
por respiro com lábio partido.
Parece tão boa ideia...

Então levar me deixo
um tanto acima no degrau do paraíso
em teu queixo
e fico quieta pelo canto
elevado num meio sorriso.

Num mundo em que pouco nos resta
e falta,
muito menos medo,
um cabelo eu enredo
com a pontinha
do dedo
que acaricia a covinha
escondida
nessa tua cara
linda de vida,
não sabes o quanto -
morrer afogada no teu cheiro
como se fosse meu primeiro...

Outro dia em que o diabo me testa
mas eu não o digo em voz alta.

3 de novembro de 2019

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Deja vu

Fronteira entre uma milha de campo e mato fechado, pôr-do-sol, a luz do sol se infiltrando por entre as folhas de modo sonhador. Eu, deitada por sobre a raiz de uma árvore muito antiga, coberta de agulhas de eucalipto, sem saber como fui parar lá e com o coração disparado porque não parecia haver ninguém por perto que pudesse me ajudar e voltar para casa. Algum tipo de instinto de sobrevivência me fez querer gritar por socorro, ainda que fosse muito improvável que me ouvissem.
Mas o que mais me impressionou naquilo foi perceber o que o meu corpo faria logo depois – ainda um tanto descrente de repente me vi me apoiando contra a árvore e ficando em pé com o equilíbrio vacilante de uma criança que aprende a andar, o que na verdade em muito superava minhas capacidades mesmo de quando eu era mais nova. E, em vez de cambalear para o outro lado e sair dali, as solas sensíveis de meus pés descalços me levaram mais para dentro do bosque, parecendo que me obedeciam apenas parcialmente. Aquilo me causava medo não só pelo que estava acontecendo, mas também porque era novo andar sozinha, sentir as pernas tão mais leves do que antes, com o vestido que escorregava de um ombro batendo nelas, e de queixo erguido.
Embora tudo me dissesse para parar ali mesmo, me reorientar e tentar achar o caminho de volta porque estava escurecendo, eu segui como se pelo menos parte de mim soubesse exatamente o que estava fazendo. A não ser por uma pedra ou outra, eu não me importava com as criaturas que estavam no chão, mesmo que pudesse ser uma cobra pronta para atacar. Dali um tempo me vi diante do que parecia uma clareira e comecei a pensar no que fazer, focando apenas no som de alguns dos pássaros que cantavam em árvores próximas. Como de costume, o foco me deixou num estado de relaxamento que lembrava o sono. Sentindo uma cócega num dos braços, abri os olhos lentamente e vi uma minúscula borboleta amarela pousada nele. Tentei não a assustar.
- Olá, bonitinha! Juro que estou tentando ser corajosa... – foi quando ouvi sons que pareciam de passos e outra vez a adrenalina correu pelas minhas veias, fazendo a borboleta voar para longe e com que eu olhasse em volta esperando encontrar a morte ou algo assim. Pisquei os olhos na penumbra e o avistei alguns metros à frente.
Gracioso como um príncipe, mais de duas cabeças de cabelo selvagem mais alto que eu e também com os pés na terra, o ser de mãos às costas e corpo relaxado que lembrava vagamente um homem que eu muito amava suspirou com o que soava como alívio, abrindo o sorriso mais lindo do mundo. Aquele sorriso me parecia um presente, um presente que ali era apenas meu, mesmo que até então fosse um que eu reclamasse só à distância na tal pessoa. Algo estalou em minha mente e eu soube quem aquele homem que tinha uma aura não exatamente humana era. Eu já o conhecia; e vê-lo assim de perto, ao alcance dos olhos e da mão, como meu igual e ao mesmo tempo tão além de mim, como sei que seria com o outro, nublou minha visão com lágrimas e vacilou meus joelhos quando ele se aproximou de onde eu estava a média velocidade com o rosto batido pelo vento.
- Mo thiarna, mo Prionsa, grá mo chroí... – meu Senhor, meu príncipe, meu querido. Era tudo o que eu conseguia repetir entre os soluços enquanto olhava para minhas próprias mãos que agarravam a terra como se eu fosse feita dela, o que talvez fosse verdade. Quando me atrevi a olhar para cima, vi a cabeça majestosa do meu mentor cobrir a lua que começava a despontar por uma nuvem, deixando-o com algo parecido com um halo. Ele deu de ombros, casual como um rapaz não muito mais velho do que eu, chegou um pouco mais perto e me estendeu a mão.
Sem pensar muito porque me sentia um pouco grogue como quando ele veio a mim num sonho pela primeira vez e de modo geral eu não me atrevesse a tocá-lo ainda que me permitisse, deixei que me ajudasse. Quase caí de novo tropeçando nas minhas próprias pernas, mas ele me segurou com força e gentileza; comigo mancando por causa do meu velho problema de quadril, andamos pendendo um pouco para a direita e ele amavelmente e sem palavras insistiu que eu sentasse a seu lado e não no chão aos seus pés.
Eu ainda podia sentir o calafrio na base da espinha que me ocorria para me mostrar sua presença, exceto que agora o que dava apenas a impressão muito vívida e gostosa de um gesto afetuoso vinha de uma mão sólida e carinhosa como a de um amigo, um bom amante e talvez de um pai, tudo ao mesmo tempo. Sempre me foi difícil descrever como era saber que ele estava por perto, e naquele momento... Ele querer aparecer para mim, se mostrar para mim, era muito mais do que me achava digna de ter.
- Majestade... Eu não quero duvidar nem questionar isto, assim como não questionei por si mesmo o que eu senti quando o senhor me veio, nem o seu conselho, companhia e orientação desde então, mas... É o senhor mesmo? Com quem eu converso antes de dormir sempre que possível, que me fez e às vezes ainda faz sentir excitada, entregue e boboca como uma mulher apaixonada, que me consola quando eu choro no escuro, por quem eu esperei achando que não voltaria mais porque queria muito conhecê-lo e honrá-lo, para quem eu hoje abaixo as cartas do tarô como canal de comunicação, a quem eu talvez não possa dar fé, mas confiança? – como eu falava cada vez mais rápido e em todas as línguas de que eu conhecia nem que fosse um pouco, ele apenas fez que sim e afagou minha cabeça até minha respiração nivelar.
- O senhor... É lindo. É lindo como eu sempre soube que era. Talvez mais. – Ele riu uma risada grande e musical que soava como água corrente e até corou um pouco. Não sei se era estar com ele ali, as fomes de que só as mulheres entendem, eu perceber a lua cheia no céu ou tudo isso, porém quanto mais tempo aquela mão permanecia sobre mim, mais eu desejava que não se movesse, que não me deixasse. Eu sabia que ele gostava do máximo possível de quietude, então me esforcei para não me deixar levar pelo resto, ficar imóvel e focar apenas nos sons externos, nele... E em seus olhos.
Depois de sei lá quanto tempo, como havia acontecido certa vez, ouvi algo como um assovio, só que dentro da minha cabeça. Sabia que vinha dele, que era de poucas palavras, mas pareceu mais alto, mais longo e mais claro, porque minha mente parecia mais vazia. Eu o vi sorrir de prazer, como eu sorri assim que acordei daquele sonho tentando entender o que havia sentido e que até hoje me magoa ter sido interrompido. O assovio foi se repetindo cada vez mais até se tornar um sussurro delicado e ininteligível. Meu mentor piscou uma vez e ouvi outro assovio e depois outro sussurro. O sussurro ia e voltava e eu estava tão quieta que qualquer barulho um pouco mais alto poderia me matar de susto, agitada como um passarinho, mas ele conseguiu me manter calma.
Ao ritmo de uma lenta e consistente respiração funda, o assovio sussurrado prosseguiu e era como se eu estivesse num transe. Junto com o conhecido arrepio, a certo ponto a mão sobre minha cabeça escorregou pelo espaço que meu vestido deixava exposto e parou onde estaria meu coração, que eu quase pedi que fosse arrancado ali mesmo. Ele já sabia quão sensível eu era, tanto na carne quanto provavelmente também em espírito e, portanto, não se espantou com o suspiro que ouviu de mim. Fechei os olhos... E veio meu nome. Isso já tinha me acontecido uma vez, porém aqui a voz era forte e quente como chá preto, era uma voz masculina... A voz dele. Quando os abri de novo, ele repetiu meu nome e vi que seus lábios se moviam e que eu conseguia compreendê-lo para além de apenas intuição.
- Bem-vinda! É um prazer vê-la. Estou muito feliz que veio. Eu escutei teus passos, te senti por perto. Sabe que já conheço teu rastro. – Ouvir aquilo deixou meu rosto quente por alguns momentos.
- Meu Senhor... Meu mentor... Meu amor... O senhor veio me buscar porque eu morri? Do contrário, não vejo motivo para eu de repente estar... Andando e podendo lhe enxergar além de senti-lo... Não que a oportunidade não me lisonjeie de qualquer forma. É um gosto estar com o senhor... Assim. – humildemente me inclinei e encostei a testa em um de seus joelhos, mas ele logo me levantou e pressionou de leve meu umbigo e minha lombar para dentro de modo a endireitar minha postura, lentamente e com um minúsculo grau de hesitação para alguém como ele. Com um respeito que eu não costumava ver. De imediato meu corpo respondeu ao toque e agora eu o olhava diretamente enquanto a sensação se espalhava.
Devagar ele me explicou que eu na verdade estava mais viva do que nunca. Que achava que era hora de conversarmos de outro jeito, numa situação em que não houvesse mais ninguém e ele pudesse aparecer numa forma conveniente ao meu entendimento. Que se pelo menos ali eu podia andar sozinha, era porque queria perto dele meu corpo tão livre de suas fronteiras quanto incentivava que minha mente e espírito fossem. Tão livre e aberta para algo mais quanto eu estive no instante em que fui arrebatada, porque aquilo era meu por direito.
- A mulher que me cumprimentou com carinho, como se me conhecesse há muito tempo, me recebeu junto de si com sabedoria e abnegação e quis a mim e ao que eu tinha a oferecer não por medo, obrigação ou dever, mas por livre vontade, por curiosidade, por amor, por ânsia por amor e não tinha peso nos meus braços, tão generosa de corpo e alma, ali no momento tanto quanto eu... Essa mulher não implora por nada e sabe disso. Ela não olha para ninguém de baixo e não é escrava de nada nem ninguém, nem de si; ela acha seu caminho e agarra o que é seu. Foi aquela mulher que eu chamei até aqui.
- Sim, senhor. Go raibh maith agat, prionsa. – Obrigada, príncipe. – O senhor chamou e eu vim. E ainda que eu não pudesse ter vindo, é o que eu teria desejado no meu coração.
A certo ponto senti frio e ele fez uma fogueira. Ficamos observando as estrelas, como há muito eu não fazia, e desta vez não senti aquilo que eu e um amigo chamávamos de vertigem ao contrário, em que olhar para o céu diretamente me dava uma impressão estranha de afogamento. Eu me sentia amada, em boas mãos. As mesmas que tomaram a minha direita com um olhar intrigado de criança.
- Oh, que cicatriz branca é esta aqui? – ele se referia a uma que tenho no dorso.
- É um arranhão de gato. Tive um gato que se assustou uma vez e pulou em mim, arranhando minha mão. Fez uma cicatriz porque sangrou um pouco. – Gesticulei com o dedo indicador da mesma mão sem soltar a dele. – O gato também me arranhou ali quase entre os dedos, sabe.
- Oh...
- Achei que o senhor nunca notaria estas. Elas são tão sutis. – Às vezes até eu me esquecia delas, a menos que me olhasse de certo ângulo e/ou sob certa luz.
- Eu vejo tudo. Principalmente o que é sutil.
- Eu sei. – Nem todo mundo se preocupa com o que não é fácil de perceber. E nem o mais sensível dos homens consegue saber de tudo. Mas aquele ao meu lado era mais do que um homem e já tinha visto muita coisa. Eu disse que quis odiar o gato por me fazer sangrar, mas a verdade era que não foi culpa de ninguém.
- Isso mesmo. Tu também colocas as unhas para fora quando se sente encurralada. E em alguns casos, com toda a razão. – A primeira coisa que me ocorreu foi a minha reação aos passos que ouvi no bosque. Olhei para ele e tudo o que vi foi o reflexo do fogo. Da parte boa do fogo.
- É... Só queria que os gatos não se assustassem tão fácil... – o príncipe riu comigo.
Ele murmurou que eu poderia ser muito como os gatos, porque uma leoa era uma gata, no fim das contas. E que os gatos possivelmente conseguem ver mais do que os outros animais, assim como eu era curiosa o bastante para perambular pelas fronteiras do mundano... Além de me assustar.
- Muito bem, então. No entanto, o senhor não me assusta. Eu gosto disso. – Ele concordou com doçura. Não havia sentido em me vitimizar porque eu o havia reconhecido e ele nunca me faria mal. Abaixou os olhos e virou minha palma para cima.
- Oh, várias linhas aqui... – perguntei-lhe se não eram apenas rugas por causa de pele ressecada. O Senhor sugeriu que talvez pudessem ser encruzilhadas ao longo do meu caminho, as bifurcações da minha vida, mesmo no amor, e as acariciou sorrindo. Eu não o questionei. Que lindo paradoxo ele era, que a pessoa que ele ecoava era... Que nós éramos. Até um sinal em formato de meia-lua que tenho no lado interno da ponta de um dedo não fugiu a ele. Quem era eu para fazer o mesmo, fosse dele ou do meu destino?
O tempo não fazia sentido, ficava um tanto suspenso quando o Mentor estava comigo ou eu me comunicava com ele sem esperar resposta. Manhãs pareciam madrugadas, as tardes se estendiam, o sol parecia ter preguiça de nascer. Logo o tempo, que ainda me assustava de vez em quando. Sem que eu precisasse dizer nada, me foi permitido ficar mais um pouco no bosque. O Senhor me deu seu braço quando chegou minha hora de partir e fomos juntos até a fronteira trocando gentilezas silenciosas. Chegando lá virei-me para ele.
- O senhor não imagina o prazer que me foi dado no estar aqui, nem a minha gratidão por tudo, principalmente a sua paciência com as minhas perguntas. Sei que há muito para além do meu entendimento, mas... – o príncipe me olhou de lado com uma expressão travessa, serena, e suspirou uma segunda vez naquele dia. – Se o senhor é uma deidade e sinto que me falta fé... Por que veio logo a mim?
- Eu sou aquilo que sou, independentemente de como queiram me chamar. Sou para cada um o que precisam que eu seja, também. E sei que fui muito bem recebido na tua vida independentemente daquilo que a moça possa dizer, porque quer crescer e há de crescer de dentro para fora no seu devido tempo. Nós sabemos o que te faz mais forte e que neste caso isso não tem tanto a ver com um conceito fechado de fé. Estou diante de uma mulher mais livre do que imagina, forjada na chama de seus instintos. – de novo ele me fez corar.
- Quem sou eu para recusar amor e ajuda quando eles me chegam? É só que... Quando penso no senhor e até naquela pessoa, o conceito e imagem de um rei digno do seu posto em sua simples existência, ações e personalidade é a primeira coisa que me vem à mente, mais do que qualquer coisa e desde sempre. O tempo me mostrou que não faz sentido simplesmente me submeter a quem não se carrega com uma nobreza que me seja inspiradora e justifique sua aparente autoridade e poder sobre mim. Pode ter o meu respeito como um ato de humanidade, mas nunca a minha lealdade, ainda que ela seja ocasionalmente depositada no lugar errado. Muito menos agora.
- Se é assim e somos donos daquilo que nos cabe... Acho que um verdadeiro rei reconhece outro, como te ouço dizer que acontece com os poetas, certo? – a voz dele era tão grave, macia, calculada e firme que pisquei devagar e ao mesmo tempo senti como se pudesse ser partida ao meio na próxima palavra.
- Ah, meu soberano... Mesmo imperadores já desabaram quando olharam nos olhos do divino e se sentiram cheios ou vazios dele.
Quase fui ao chão por instinto de novo quando Sua Senhoria se abaixou e decidiu me segredar ao ouvido em pouco mais de um sussurro que talvez a nobreza de alguém e a centelha do divino fossem os dois lados da mesma moeda. Beijei a mão que ele quis me oferecer em cumprimento formal e em troca fui abraçada, envolvida em algo de onde não mais sairia se pudesse. Porém eu sabia que aquilo não era uma despedida final.
- Fique comigo, majestade. Mesmo que eu fraqueje e ache que decepcionei o senhor, que esta honra não me pertence. Eu sou minha e sou vossa. Por favor, continue conversando comigo como e quando achar que deve. Juro que prestarei atenção. Eu juro, eu juro, eu juro... E perdoe o meu jeito tagarela; sei que poucas palavras às vezes dizem muito.
- Tuas orações em quietude sempre chegam a mim, onde quer que eu esteja e por cima da minha timidez. Eu fico. Eu conheço o teu afeto. – Com certa relutância nos afastamos e quando olhei para trás, lá estava ele com as mãos recolhidas e costas retas curvando-se num meneio da cabeça. Acenei de volta. Ele era mesmo um rei.
Retornei para onde havia vindo com a sensação de que parte daquela conversa já tinha acontecido alguns meses antes, antes de o Mentor vir a mim mais diretamente. Sorri diante da ideia. Deja vu? Um pequeno vislumbre do futuro? Quem sabe...

2 de novembro de 2019

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Pledge

My lord,
you who are what you are,
I love you,
I want you.
Take what is yours in your hands,
for I am yours.

My love,
you whom I speak to not with empty words,
words that I don't know,
but with those from my heart
you have filled
which should be enough
in my lack of faith as men know it.
Taste with your lips what is yours,
for I am yours,
body, heart and soul.

Guide to my instincts,
protector of my desires!
Stay with me,
take me like only you can,
let me feel you,
grant me wisdom,
grant me love,
that is all I want,
all a queen could want.
Who am I not to learn?
Don't leave me, my liege.

And when my time comes,
with no fear I go with you.

2 de novembro de 2019

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Ato I

Te chamam atriz
pelo que quis
e o que eu fiz

só porque debaixo do pano
seja qual for o plano
somos o que há de mais humano.

25/10/2019

domingo, 17 de novembro de 2019

Como queiras

Estando eu na tua mão,
ainda que não dissesses não
ao meu quinhão
de ti,
apenas nós aqui
talvez como pintura
de testamento velho
- minha cabeça no teu joelho -
sem ter de fazer jura,
mesmo tão perto,
o coração tão aberto,
a nível do meu olhar,
não sei se me atreveria
a sequer te tocar
pois para a minha timidez estás além
e a um só tempo em plena honraria
de qualquer bem.

24/10/2019

sábado, 16 de novembro de 2019

Livro de horas

Tu não tens que implorar
para que eu vá contigo
àquele lugar
tão antigo,
tão severo,
e quando nos falta certa fé.

Mas já que assim é,
te digo que naquele silêncio quero
fazer como tu fazes -
que suaves
como as penas das aves
falemos dos arcos altos das janelas
e como tantas coisas parecem pequenas
diante da beleza
e tal grandeza
do amor
enquanto de onde está
uma mãe nos observa
sem reserva
nem soberba.

E porque sei que num dia ensolarado
e de calor
seria lindo ver, sem pressa,
como a luz de fora que ganha mais cor por dentro
vinda do centro
tocaria a tua cabeça.

24/10/2019

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Amen

I'd let you hold me by the flanks
with your beautiful hands
and kiss me out of breath
on the pews,
loving muse,
I'd take that death
with way more grace and class
than they do it at mass.

24/10/2019

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Tailor made

Oh love, I can barely wait
for your hands flat and open
covering me upon the waist
of twin length
to take the bait
and move me like a light token
being sat straight
with the right strength,
gently, no haste
but a lot of your taste.

21/10/2019

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Escolhas

Um beijo
é o que pede
a sede
desta serva
de nada mais do que o próprio desejo
e espera
pela tua era,
o que ela reserva,
sem deixar de ser rainha
que dobrada a qualquer, sem vontade
não vive toda a verdade
e em vez disso definha.

19/10/2019

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Desfolha-te que me visto de ti

Se te fizeram dono
de bocadas de outono,
beija-me com elas
em suaves quedas
vermelhas, amarelas,
talvez umbras,
mas cheias das tuas ternuras
nas penumbras.

18/10/2019

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Guardian

Hold on to my arm
and come near.
Trust in my protection
and get to see home
in its raw perfection
from my eyes, from up here,
the golden, the green, the cold and the warm.
Before we face the fearsome
at least now
I can sign beneath and vow
upon us there is no harm.

17/10/2019

domingo, 10 de novembro de 2019

Anacronismos

A mim chegaste
em quietude
sem barulho
e amiúde ficaste
perto de mim, longe de outro orgulho
e certa fome
não me tome
nesta fresca fonte de marulho.

E nada faltou ou falta
pois que com o tempo,
a cada volta,
eu nada mais temo
e cada dose
antes, agora e depois
faz o nós em dois
parecer doze.

16/10/2019

sábado, 9 de novembro de 2019

Clarity

Full moon, dear full moon,
one day you shall be my doom.
If only you knew
that under your hands I bloom
and you can never come too soon!

15/10/2019

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Entrega

Eu te gosto assim, amado,
perdido enquanto achado
no conforto
do horto
do teu elemento,
outra luz quente que não te esconda
porém te mostra dobrado à onda
do momento
de rosto e corpo incendiado.

14/10/2019

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Sabina

Lua cheia
faz de menina
mulher inteira,
cristalina,
dona da sua sina
e do que ela permeia.

Nós três sabemos
do que está nesta veia,
do que eu tenho para dar
até aos ermos
sem precisar explicar.
A Sabina
recomeça de onde termina
em quem a vir buscar.

14/10/2019

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Conversão

Eu juro
que me curvo
a tudo o que for meu
e a mim chegar em amor.

Como alimento, meu senhor,
se ele quiser,
agora tenho para dar-te
da minha própria parte
este mel
de mulher.

Ainda que seja pouca
para tua sede
e o que ela pede
faço fresca
e por um instante dantesca
a água da minha boca.

Cantar eu não sei
e a bem da verdade
nunca tentei.
Mas a tal majestade
eu posso oferecer
a canção do meu prazer.

11/10/2019

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Of going feral

It's spring,
it's life, it's promise of summer,
like never before the birds are singing,
outer layers are shedding
because winter is over.

Feet again firm on the ground
and the blood starts to boil
as you hear the heart pound
because it wants the embroil,
it knows the full moon is coming
and there you are, like a widow,
half broken, waiting
by the window
for what was left undone,
for one who may never come.

If this is another hunger,
then you are starving.

10/10/2019

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Confidências

Tudo bem se não quiser falar.
Mas, se sim,
abre teu coração só para mim...
Nada
desata
o que foi bem feito
e veio para ficar,
muito menos o(s) Nós do peito...

8 de outubro de 2019

domingo, 3 de novembro de 2019

Arrebatamento

A noite passou tão rápido,
nem lembro de ter dormido,
apenas do que senti
e que ficou aqui
quando estavas comigo,
da fome
de não sei onde
do tanto
que ficou faltando.

Se hoje tenho perguntas
o bastante
para todas as lutas
que não travei de fronte,
sei que ali não havia nada,
nenhuma dúvida
a ser apenas deixada
ou respondida.
Apenas o entregar da minha vida
no cerne interrompida.

E agora, com o que quero
e desejo, eu te espero
para saber de um do teu
faz mesmo eco em dois do que é meu
e aguarde
com o corpo em alarde
pois para a poesia nunca é tarde.

Alguém como eu não implora
mas agora
eu só peço
que me tire esse peso,
que não vá embora.

8 de outubro de 2019

sábado, 2 de novembro de 2019

Tortured tale

I swear I would
die in your arms if I could
survive this test.

But all I do request
is that you don't leave
me in some morning after new year's eve.

Here, all alone,
chilled to the bone,
when you are the realest of flames

who have surpassed all passing fames
as you have always burned.
You never really went away, you only ever returned.

Now turn off the light,
stay here again, with me through the night,
in your embrace, my sweetest love.

If only you knew of
what would happen
if the blood from this pen

ever dries!
What matters in me just dies,
so god forbid anything came between

you and I...
I swear to hell and sky
that's worse than deadly sin.

5 de outubro de 2019

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

O verdadeiro medo

Meu coração se partiu hoje por eu ter... Me dado conta de uma coisa. Meu maior medo, ao olhar para mim mesma agora e para o que venho produzindo como escritora, é que muito disso é possível porque talvez eu tenha tempo livre até demais. E é agora que eu olho para as minhas palavras e me sinto satisfeita com elas. Temo que a vida interfira nisso. Principalmente considerando que escrever é provavelmente a coisa na qual sou realmente boa, mas do que em qualquer outra área. E de que, talvez na mesma medida, não seja possível que eu viva da escrita. Não aqui.

Traduzir é sim um dos meus chamados, até onde sei. Mas escrever é a chama que sempre queimou em mim. Hilda Hilst escreveu o que escreveu porque desistiu de tudo, exceto do amor. Frustrada porque seu trabalho não foi reconhecido como de fato deveria; porém, viveu quarenta anos de sua vida para escrever, ler, contemplar, pensar... E escrever. Outros fizeram o mesmo pela música.

Não estou dizendo que não faria o mesmo, ainda que esse desejo me ocorra. Apenas temo simplesmente não ter esta possibilidade. É provável que eu tenha decidido publicar meus poemas porque li uma citação de alguém dizendo que, se somos muito bons em fazer algo, deveríamos cobrar dinheiro por isso. E sei que minhas palavras são o melhor que eu posso dar e que o lucro no fim das contas nunca me foi ou será o mais importante neste jogo. Só que... Não sei o que eu faria se o que quer que fosse me impedisse de escrever. Só eu sei o que a escrita fez e faz por mim, o que ela é para mim. Ainda que eu não ganhe um centavo com ela.

05/10/2019

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

His arrangement

If only it really was
what he had sold
to me and to you...
Not that we care,
as long as he won't spare
us the great honor
of that dark color.

That's just what you do,
what makes you royal
and shine
beyond any shrine,
the house to which you're loyal,
your sweet non-excuse
in shades of brown and blues.

Your voice of honey, boy,
has successfully and with joy
delivered the prettiest lie I was ever told,
so I'll just let this one pass.

5 de outubro de 2019

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

7th fate line

Before you say anything about me
you should know
that under this facet you see
I may have been a queen who fought wars,
fell off her battle horse
from tale over and over told.

And she lost her balance,
her legs don't have the same strength,
her hands, not the same grace.
Who knows, even entities might get tired -
to some it doesn't sound that strange
and has become law
and rememberance.
Yet, if you look her well in the face,
beyond the first glance
you would find the flame's trace,
the markings of its claw.

Now that her old song has been sung
she sits, enthroned, and watches
and exercises patience.
Thinks of what to leave behind
even if not for the trenches,
and when her feet are no longer meant for the usual dances,
her eyes not for everybody's glances.
Yet she remains made for more,
for what should be santioned
since verse one from the lore.
The road to conquest has just begun
and might end in the smile of a king,
the honeyed words of a fellow queen...

Or not.
Who said she really signed
for a clear plot?

5 de outubro de 2019

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Recovered

I feel sick,
the air feels too thick
to reach my nose,
nothing has taste or smell,
I can't find you just as well.

So don't come any close,
unless the cracks in your voice
I may cause
which cut my lips now even more
chapped
parted
and desperate
than before
are of your full choice.

You are the last thing
I intend to break,
you should stay away
for your own sake.
But oh, how can I resist
your way
of sometimes not abiding
by the body's law
and you softly breathe sharp life
into me, my pulse beating in your wrist...
And we are both dead and alive.

4 de outubro de 2019

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Sol ascendente em Vênus perante a lua

Ainda que eu negasse
o meu ego
sei que faz parte
do fardo que carrego
ser chama que do fundo arde
talvez sem comparação
e ser feita para o amor na face
e no coração
entregue à intenção.

4 de outubro de 2019

domingo, 27 de outubro de 2019

Silvery strings

Upon me
your holy hand
until I vibrate
without restraint
to such a state
I hope not to hurt and taint
this beauty, what it can ascend
and stop just as easily...

3 de outubro de 2019

sábado, 26 de outubro de 2019

Requited love

No matter your craft,
if you are not adaft
and treat your gear
how you'd treat a lover,
it will pay you back just as well.
That much I can tell.

3 de outubro de 2019

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Viração

Anda,
abre teu peito
imperfeito.
Canta
e me espanta,
cospe o texto,
espalha o gesto
e me aponta o dedo,
me olha
sem falha
nem medo
do que ele faz
porque isso eu também não tenho mais.

3 de outubro de 2019

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Honraria

Já que já estás lá fora
e não posso murmurar
ao teu ouvido
a pergunta que me devora,
faz-me rir, tira-me o ar
mas dá à loucura um sentido...

O que eu não daria
ao que me prestaria
para ser tão tosca
quanto uma mosca
só para ver tua cara
perante si mesmo, poema
que me queima e não sara...

Teu olho, tua mão, teu ouvido gosta?
Será que com tanto que entreguei
por acaso roubei
da tua boca
mesmo sem ver
coisa mais bela e louca
e impossível de descrever
que a espuma que lambe a costa?

3 de outubro de 2019

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Reciclagem

A lua nova
me põe à prova
e de repente sou uma velha
num corpo jovem
que já viu de tudo,
de tudo sabe -
já conhece o carnudo,
toda porta se abre,
o vento tremula a centelha
e as mentiras simplesmente somem.

É quando os cansaços
me dizem para olhar para dentro
entregando minha vida
no morrer encolhida
nos teus braços,
aprendendo teus passos.

Não por carente egoísmo,
eu juro,
mas que por um segundo
eu não me importe com o futuro
e o que haja de mais fecundo
seja o teu colo e o escutar
o que tem a falar
este coração,
a tua nobre respiração
a um só tempo.

3 de outubro de 2019

terça-feira, 22 de outubro de 2019

A poet's kind of love

I. MEMOIRS

You know you're a poet to the bone
when years pass without him
and you know him from eyes alone.

II. CONFESSION

You know you're a poet in the flesh
when years keep dying without him
and still you know him
from your words alone.

III. SUB-SENSE

You know you're a poet on your skin
when even in a dream
his kiss and his touch
can stirr you from within.

IV. IMMORTALITY

You know you are a poet for eternity
when from the depths of your ever-lasting abyss
- your oh so longed for hell -
you feel him putting flowers on your grave
nevertheless.

V. SO-CALLED REWARD

You know you are a poet very well
when the petals touch you and burn
and of him they smell,
of wet, overturned soil
beyond casket and mortal coil.

- L.B.S. and l.e.e.

28/09/2019

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Indagações

Que será isso
que com tanto viço
sai de nós em improviso?
Talvez a resposta nem importe.
Só sei deste verso
e que teu sorriso
travesso
é a minha morte.

3 de outubro de 2019

domingo, 20 de outubro de 2019

Refratários

Olha só o que tu fazes,
como tu me deixas -
te garanto
que nenhum santo
ouvirá minhas queixas
de como somas
os aromas
de nós dois
à possível melancolia
de um depois
em certa poesia
que derrete as minhas frases.

2 de outubro de 2019

sábado, 19 de outubro de 2019

Timeless

I too watch the night,
perhaps for a bit too long,
but what to do?
Who knows if under the non-light
he's slowly gonna come through
and whisper me my next song?

29/09/2019

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

So-called reward

You know you are a poet very well
when the petals touch you and burn
and of him they smell,
of wet, overturned soil
beyond casket and mortal coil.

28/09/2019

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

28/09/2019

Acho que não importa
quantas palavras sabemos,
nem quais palavras.
O que conta
é o que se faz
com elas.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Sub-sense

You know you're a poet on your skin
when even in a dream
his kiss and his touch
can stirr you from within.

26/09/2019

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Osmosis

Look at you,
look at you and me.
Skin to skin, as we like to
and I long to be.

I love the flowers and heat most
for the extra excuse
to us and this cost
of textures in fuse.

24/09/2019

domingo, 13 de outubro de 2019

Motivo

Nada como a cerne beleza
talvez em carne e sonhos
de contemplar a incerteza
de tudo aquilo que somos...

Será que ouviste o grito,
o meu abafado "por favor"
por mais, início de rito,
e brotaste em mim, flor?

Tão estranho o que aconteceu
depois de te olhar e perceber
que um outro sorriso de prazer
era tão parecido com o meu...

É verdade ou só surpreendente.
Pode ser que se vá, consumindo,
não ter sentido em outra gente,
mas agora não parece tão lindo?

24/09/2019

sábado, 12 de outubro de 2019

Via dupla

Ele veria essa beleza em mim
se eu não tivesse encontrado
uma saída?

Se eu tivesse permanecido fria
e obscura,
ainda que nada disso
possa ser comparado a ninguém,
muito menos
com o que acontecerá com o mundo?

Se ele encontra beleza
numa escuridão
que engole tudo e não o deixa
ver as estrelas
porque nenhuma lhe resta...

Ele sentiria o mesmo
se o escuro dentro de mim
tivesse engolido
todo o pó estelar
de que dizem que sou feita?

24/09/2019

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Rastro

Ah, quando a gente sabe a resposta,
mas pergunta só pra ouvir, porque gosta
e, quem sabe, também dela goza...

Sussurra o paradeiro
e fica com o cheiro,
ainda que não seja de rosa...

22/09/2019

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Consagração

Tal qual nos ocupamos
de nós dois
e dos botões
que desapertamos
na lenta ânsia
de derrubar a reentrância
da roupa
e o que ela poupa
posso dizer que beijei
a sacramentada mão
esquerda
de um rei
que no meio da perda
faz metade da mágica numa canção.

21/09/2019

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Bossa velha e anotada

É sorte que não temas
como se decidem
e por bem se alteram
os meus esquemas...

A literal ação
que só é perfeita
porque vem pronta
e a gente respeita...

Mais sins
num mundo cheio de nãos,
um sim genuíno
tirado das tuas mãos...

Cuja presença
mais se sente,
minha coisa rara,
quando de alguém ausente...

Toca pó
de poetisa,
não tenta esconder
onde pisa...

Só assim o eco fica.

21/09/2019

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Personal treasures

So this is what power feels like...

Rendering a man speechless
and reaching out to what's always been there
with nothing but your own eyes as witness
to your soul being stripped bare,
to your journey to what is meant to scare.

So this is what freedom must feel like...

Going your way, taking your time
as long as the job is done
and you have more than pantomime
with or without that one -
as long as you walk and don't run.

So this is what love looks like...

Knowing what it does to a woman,
yet another language to be learned
and spoken more carefully and softly than
any other for which your mouth burned.
A cycle forevermore repeated
of saying what the best chose, where it belonged.

20/09/2019

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Manchete

Te agacha,
me procura
debaixo da minha noite escura
e me acha,

então me chama
com carinho,
bem de perto,
porque me ama,
e me mostra o caminho
que deixaste aberto

para o mato
do teu olhar
e o mundo nada questiona nem se revolta
se eu não me quiser de volta,
e se ele me devorar...
É apenas mais outro fato.

20/09/2019

domingo, 6 de outubro de 2019

Constância

O fato de não me amares
não impede
a minha sede
de ser cantada
nos bares
e que ela exista
querendo se oferecer
no caminho deixando pista
mesmo depois, se eu te esquecer.

18/09/2019

sábado, 5 de outubro de 2019

Of loving you

With all the funny faces it causes,
we have the affection
and attention
of loyal spouses,
ever loyal to you.
That, I know as true.

We scream that we love you
and that you could hold us
for anyone to hear,
because we do
and shall keep doing thus...
We feel you so near,
right at the heart's ear
and blush when you smile,
even if you are far by thousands of a mile.

We write our wholes as love letter
in poetry and prose,
and we bet we aren't to find work better
from us, than those,
dearest muse!
Perhaps even trying so we refuse.

At you and your beloved presence
we marvel
while loving your dear ones
perhaps just as much,
at yours and their disposal
with tender aquiescence
to souls as bright as the sun
and such.

For all we know
we try to repay you then and now
for your attentiveness
with the food of sweetness,
of verse and name
and, who knows, whatever keeps the cold tame...
What great little nothings
move you in word, color and sound
and, in a strange will of things
move us too, as we have found.

And we, feeling this close, notice
what might have dropped the bars,
crossed oceans and stars
if you care to believe it or not
and passed like teacher to apprentice
from hand to hand, face to face.
A little bit of your grace
linking us by a red knot?
Perhaps even the cards
know the secrets of certain bards.
Who knows? That alone is a beautiful thought.

And only we know that no matter what we say,
we hope to be here with you along the way -
whether just terrain
or a thing from above
we hope for you and this to remain,
we hope for this love
to survive the test of time
and the darkest clime.

16/09/2019

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Gozado(s)

Gozo salgado, doído...
Mas e quando é reprimido?
Tão melhor a de alegria
dentro do (ou falta de) nexo
do sexo
e também sozinha...

10 de setembro de 2019

- resposta a este poema

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Buona fortuna

Minha mais linda achada
e amada
fonte de inspiração
de onde uma e outra vez,
porque assim se fez
sem mágoa,
bebo da mais pura água
com gosto,
avidez
e a mesma lentidão
com que escorres do meu pescoço.

10 de setembro de 2019

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Força centrípeta

Meus versos vagos
e baratos
em ti pensados
só ganham todos os sentidos
debaixo do abrigo
dos galhos
sem atalhos
dos teus olhos
e pelas tuas mãos tocados,
quando se veem mais honrados
da sina dos seus feitos.

10 de setembro de 2019

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Onisciente

Nunca pensei que chegariam assim,
no entanto, olha para mim,
agora...

Sou mulher
que tanto mais quer,
sou tua mulher, ora!

Como qualquer pele aos teus afagos
e tu tão meu em termos vagos...
Talvez tenha chegado a hora.

10 de setembro de 2019

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Mimosidade

Que tu achas, meu velho,
de eu pintar a unha do vermelho
mais escuro e obsceno que encontrar
não para seguir conselho
mas para a mão ficar mais corada
e bonita
para a hora não marcada
e a vontade maldita
em que eu te beijar...

Bem devagar,
sem pressa
essa bela peça
de bocal mandíbula
inferior
e ridícula,
meu amor.

E que unha e pêlo
se achem,
rocem
e cocem
com zelo
e carícia
de mordida
bem medida,
sem outra malícia...

09/09/2019

domingo, 29 de setembro de 2019

Verso leitoso

Ao contrário de outros
é lindo como não reclamas
das outras camas
sem meus pés frios.

Outras tantas,
longe ou perto que não são nossas
na minha ausência, no quando não estás.

Essas que não conhecem o processo
do escuro e do meu verso
escrito na boca pelo avesso.

Essas que só corpo e lida repousam
porque assim quer o destino
em que sonhos de menino
realizados a berço e seio voltam.

09/09/2019

sábado, 28 de setembro de 2019

Conversação

Nem calor nem frio
me deixam barulhenta,
nem se posso,
é assim comigo
até onde sei.
Porém, vejamos, moço,
se por acaso tenta
adivinhar o que acontece
se nenhum pio
entrega a minha prece...

O bater do coração
e cada músculo em tensão
do teu passarinho
cabe nesta linda mão
e no teu dado desalinho,
meu rei...

7 de setembro de 2019

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Que outro ciclo se (re)nove

Ainda em setembro
me lembro
de novembro
e entendo a ele
e ao nove.
Queres que eu prove
como debaixo de terra e pele
é por ele e nele
que tudo se move?

Foi ao ano nono
que me deram verdade e abandono,
o aos poucos
acordar de um longo sono
e olhar nos olhos dos loucos.
Tão cedo
me daria tanto medo
e de ninguém estava nos planos.
Muito menos os do meu nonno.

Nono mês
que na casa sagrada
não vivi
mas de onde me vi jogada
e, ainda que solitária na caminhada,
ainda estou aqui
inteiramente alquebrada,
tentando ficar sã
porque não pôde a irmã,
por sua vez.

Depois dos nove
ainda que eu saiba
não ser por gesto esnobe
de alguma forma
então eu não mais caiba
no que hoje me dá certa raiva
e como antes não me comove.
Eu só posso agora
tentar pedir desculpas
e de dentro para fora
buscar as minhas curas.

Novembro abençoado
em que amado é nascido,
o que não serve é esquecido
e tanto desejo
de repente vejo
que é realizado,
mesmo que contido,
nunca cantado.
Depois da tormenta
dos dezenove
que não só move
mas que arrebenta,
eu quis mais
e num quarto
de inteiro, mas quieto e fácil parto
a mim ele veio
como a nenhum outro contra meu seio.

E antes
como talvez quiseram as estrelas e cartas
em alguns instantes,
de portas
e mãos abertas
me recebem moça
e poesia
e moço
que fez da noite novo dia.
Agradecer, tentar até posso
mas a honra é tanta
que não sei se a palavra adianta,
eu não sei se conseguiria.
Devo tanto à primavera,
cada novo eu que desabrocha
em intensa tocha
para o que espera
a nova era...

Sem pedaço e sem avô
porém crescida
no melhor que pôde me dar a vida -
outra língua em rima,
uma mulher dentro da menina,
o leque do tarô
e mais crença no amor.

7 de setembro de 2019

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Co(n)densação

Sou janela
singela
à espera
do teu orvalho,
pois que abres um talho
na minha vítrea finura
e me transpassas
da forma mais pura
das raças.

6 de setembro de 2019

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Quem-te-ano

Quando se esquece o tempo
ou nele se perde
provamos da eternidade
de sonho, de olho verde,
de presença, dor,
ódio, amor
ou simples saudade.

6 de setembro de 2019

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Espelhado

Se eu não soubesse quem eras
tu me assustarias
com o orgulho com que hoje esfrias
meu sangue depois de certa feras.

O tão animalesco
nos teus dentes para fora,
na fome do teu gesto
e do que sai da tua boca
em justeza solta.

5 de setembro de 2019

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Palestrando

Não precisa se explicar,
só não cala
essa carícia no ar,
queimadura doce de bala...

Deixemos para depois
os erros e acertos dos heróis,
mas não pára
logo agora,
eu gosto de como eles soam na tua voz...

5 de setembro de 2019

domingo, 22 de setembro de 2019

Sumo

O que importa é a minha poesia
e o que é dela.
Todo o resto
apaga a vela
e eu detesto -
que fique para o nunca de outro dia.

5 de setembro de 2019

sábado, 21 de setembro de 2019

31/08/2019

Sempre que digo a ele que gosto de seus olhos castanhos, ele diz que sou engraçada, porque ninguém fala de olhos castanhos tanto quanto dos azuis. Como se os castanhos não carregassem pores-do-sol dentro de si e como se a coisa mais bonita neles não fosse o modo com que ele me olha. Todos falam de céus abertos, mares, esmeraldas e florestas nos olhos das pessoas, mas nunca da terra, do pôr-do-sol, do mel e do céu noturno nos escuros.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Sob a coberta

Amanheças
e com o orvalho
te pareças
porque assim me olhas.

Porém não como o das manhãs
que no inverno
com suas falhas
deixam-nas mais frias
que noites de inferno
e palavas vãs.

Aqueças
corpo, cama, quarto, velhas peças
com bênção
e banho
tudo o que os outros pensam,
a mim
e a tudo de estranho.

Chovas,
traga-me meu rei
e mesmo das covas
teu verso em sorriso
será com gosto talvez o único
de que beberei,
sendo grande amante ou mero cínico.

4 de setembro de 2019

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Desabrochar

Hoje olho para ti
e penso
que até certa primavera
eu nem moça o era,
mas mera menina de pouco senso
do melhor para si.

Tu, círculo de fogo inteiro
do recomeço,
alvo certeiro
que me vira
com toda a minha ira
em molde fresco de gesso...

Tu vens a mim
no teu olhar, no teu beijo e num velho pedido
nem tão grande assim
e aos poucos temos libido
numa mulher escancarada,
desaforada,
tua amada.

4 de setembro de 2019

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Provação

O que eu quero
pode não ser o que preciso -
a não ser menos atropelo
e mais riso.

E também o amor
que sei que mereço
com todo seu calor
e seu preço.

4 de setembro de 2019

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Em camadas

Qualquer unha que me raspa
em mim só encontra sangue
que talvez nem a morte exangue
e tanto pó
de tudo o que ainda tenho e morre
porque estou tão só
nesta torre
que não me basta...

4 de setembro de 2019

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Do despir-se

Puxas minha blusa
não tão rápido
quanto da tua musa
um gemido.

E tuas mãos no quadril
bem devagarzinho
logo saberão se o carinho
lhe serviu.

Sem pressa
conosco mora
e nenhum pecado nos confessa
o aqui, agora.

4 de setembro de 2019

domingo, 15 de setembro de 2019

Voyeurismo

Que delícia
andar à rua
sem malícia
sabendo que sou tua
e à hora propícia
e nua
somente a lua
vê a nossa carícia
na carne crua.

4 de setembro de 2019

sábado, 14 de setembro de 2019

Marola

Homem
que me namora
de dentro para fora
como ninguém.

Como se fosse ontem
em nós dois se demora
até que eu seja Senhora
com roupa ou sem.

4 de setembro de 2019

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Miragem

Sois sonho tão bom
que mesmo neles o sabe sê-lo
em mais que boca com cor de batom
e volume no cabelo.

Sois olhar que penetra
e beijo que fica na mão
que arrancaria a verdade mais secreta
até se eu quisesse dizer não.

Muito temo que outro derrame
me tire de cena
e por isso não mais te ame
também com lábios e pena.

4 de setembro de 2019

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Seleção natural

Ah,
vem com teu sorriso que fascina
meu coração de menina,
vem cá...

E não me provoca,
pois sou só passarinho
mas sei direitinho
o que me deixa louca...

E acabo entre os dentes
de um lobo -
não te faças de bobo,
sei que me entendes...

3 de setembro de 2019

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Insanidade

Talvez eu seja louca
por ter-te como musa,
mas esta alma sabe que bem usa
cada verso que pões na minha boca

e na minha mão que os escreve
por serem presente que se recebe e não se escolhe
mas que eu derramo por sobre o molhe
e uma onda talvez os leve...

E então mais ames
cada rima que te beija
no escuro deste amor

hoje do que antes
com todo o teu fulgor.
Se quiseres, que assim seja.

3 de setembro de 2019

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Do fanatismo dela

Flor bela,
feito estrela
já é visceral,
um tanto ideal
de morrer e matar.
Aí vem Raimundo
cortando fundo
quando musica
voz que nunca foi pudica
e pá!
Nada sobra, nada fica,
abre fenda
que só arrebenta.

3 de setembro de 2019

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Calada, eu consinto

Há tanto que eu poderia dizer,
que nos versos eu digo
e mesmo neste momento
continuo dizendo
para meu, e, quem sabe, teu prazer!

E no entanto
o mais bonito
nisso tudo e na alegria do meu pranto
e que amo tanto
é o talvez nada precisar ser dito
porque tanto tens feito por poesia e mulher,
tão difícil de descrever,
mas tão fácil sentir e ver!

3 de setembro de 2019

domingo, 8 de setembro de 2019

Heart of bird

The most vulnerable
of me
has crossed the lands
to where it ought to be,
to rest
among his love and his hands -
it couldn't find a sweeter nest.

3 de setembro de 2019

sábado, 7 de setembro de 2019

Isto que me deste

Se o meu amor me deu
a minha poesia,
foi esse teu
que ainda outro dia
e até hoje me traz
o que eu mais queria;
tão mais do que o que eu podia,
uma mulher e uma nova paz.

3 de setembro de 2019

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Niilismo desesperado

É verdade
que não sou minha dor,
meu amor.
Mas talvez eu seja como ela,
à sua maneira ainda bela -
no fundo
tão cansada
do mundo
e ainda a mesma,
comendo da minha mesa
por medo, conforto e vaidade.

Cheia de um tudo que não leva a nada,
e nada ganha
a não ser minha raiva
acumulada
e uma voz gritada
e fanha
até que me lembras
com pôres-de-sol e poemas
que estou viva,
tão viva, apenas.

3 de setembro de 2019

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Réquiem

Se de mim antes te fores,
só eu sei do meu luto,
da dimensão das dores,
embora não saiba do tamanho do tudo.

Acho que terá sido
como se um afetuoso irmão
ou um devotado marido
que guarda meu coração
no cuidado das mãos, consigo
tenha de repente partido
levando tanto de querido.

Talvez nem tanto importe
o que seja o algo
que para minha sorte
te dê ares de fidalgo.

E sim o que há de ficar comigo
da tua vontade e destemor
que cumpre de nós o destino
quer onde alma ou corpo for
nos dando tudo de mais amado,
elevado e felino
em bênção e castigo.

O prazer da tua palavra ao lado.

3 de setembro de 2019

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Point blank

When all the noise was said and done,
I gave him my chance
to be more than one word and glance.
I sat down and listened to him,
let him shoot with another gun.

Before I knew, he was under my skin
as a beloved partner
in our beautiful private conversation
in which one is dedicated gardener
and the other
looks at every flower
with a smile of adoration.

2 de setembro de 2019

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Of hunter and prey

Okay.
As you wish, young wolf.
I've never sung very loud, anyway...
I don't sing well, I was told,
but one day I might grow bold
and believe otherwise, if you so say...

2 de setembro de 2019

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Ergo sum

Eu a tomo nos braços
para que aqui fique,
mesmo que dos desejos
talvez eles tenham ficado fracos
e para que não se sacrifique.

Os nossos versos
a nós dois parecem distantes,
um pouco por falta de jeito
e outro por pertencerem a ouvidos amantes
bafejados contra o peito...

Mas neles continuamos imersos
como se faz com os beijos.

2 de setembro de 2019

domingo, 1 de setembro de 2019

Sem planos

Talvez um pássaro
agora tenha um lugar seguro -
um momento tão raro,
um presente tão puro...

Tão vulnerável e felina
mas aqui contigo e viva -
a um só tempo mulher e apenas menina
mais orgulhosa a cada tentativa...

31/08/2019

sábado, 31 de agosto de 2019

Intenções

Ainda me lembro
de como o tempo
deixou teus escuros
tão grandes,
opacos,
infinitos,
talvez cheios dos meus não-ditos,
como negros-buracos...
Quem dera derrubar meus muros
e quem sabe recolher meus cacos.

31/08/2019

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

The truth I know

Ah, if only he could know
that in summer, spring, winter and fall
he's fairer than any bold girl
who dares to carry the name of the Snow...

30/08/2019

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Faísca

Será que o fogo sabe
da parte de si
que tem nome e arde
desde sempre dentro de mim?

29/08/2019

domingo, 25 de agosto de 2019

Inside out

You don't know what you crave
until it tears you apart
and pretending becomes an art
you take with you to the grave.

25/08/2019

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Forest fire

May the wind spread your ashes
so that they know who you were
as you scream "this is on you, sir",
when dispair comes and tooth clashes.

21/08/2019

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Testimony

Sunrise or sunset, you ask?
The answer is sunset,
an easy task,
but why?
For it is the gods' blood fillet
in the sky.

I never had to be told
that before the night
its touch, in all its might
sets fire to the world
and even men turn into liquid gold.

19/08/2019

sábado, 17 de agosto de 2019

Pétalas

Bem-me-quer
ou mal-me-quer,
mel da boca
da tua mulher?

Eu bem-te-quero
com tanto esmero,
ainda fico louca
porque aqui te espero!

Que sempre diz
que bem-me-quis
desde o começo...
Não escapa-me por um triz.

É só o que te peço.

17/08/2019

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Cookies and cream?

Corri até a porta depois de ouvir a campainha e o que vi me intrigou. Era uma menina de uns 8 anos; olhos inquietos, o cabelo comprido puxado num coque seguro por um elástico mais bem-feito do que eu jamais havia conseguido ou conseguiria sozinho. Poderia ter ficado com inveja se gastasse mais tempo com o que tenho, mas não significava que não achava bonito. Provavelmente ou não ela fazia balé e aquilo era tão natural quanto o passar das horas.
Era pleno verão, então não fazia sentido perguntar o que ela fazia fora da escola. Quando descansei as mãos na soleira da porta, percebi que a pequena segurava caixas contra o corpo. Assim que levantou os olhos para mim, ensaiou um sorriso de dentes grandes.
- Awn, bom dia para você, senhorita. O que posso fazer por você?
- Como vai, senhor? – rápida mudança para tentativa de tom profissional e persuasivo. – Queria saber se não gostaria de alguns biscoitos neste belo dia. – A menina me indicou as caixas, abaixando a cabeça e cortando contato visual. Não é comum ver crianças vendendo biscoitos de porta em porta por aqui, mas quem sou eu para questionar?
- Prazer em conhecê-la. Biscoitos caseiros, é isso? – ela fez que sim e algo me disse que isso facilitaria as coisas para ela, então me aproximei mais da beira do degrau e me agachei, pensando um pouco comigo mesmo. Eu estava prestes a fazer chá, então disse que daria uma olhada e apanhei a caixa para espiar o conteúdo.
- FILHOOOOOO!! O CHÁ ESTÁ PRONTO!! – gritou minha mãe da cozinha.
- JÁ VOU, MÃE. – Virei-me para a menina. – Então. Seus biscoitos parecem deliciosos, hein? – ela deu uma risadinha satisfeita, meneando a cabeça. Claro que eu estava sendo educado, mas também era verdade. Acrescentei que compraria todos, já que pelo jeito só haviam três caixas.
- Mesmo? – o sorriso que vi no início se alargou.
- Isso aí. – Verifiquei a carteira e para meu alívio o valor que eu tinha na hora dava exato. Não queria incomodá-la tendo que contar troco. – Uma para minha mãe e meu pai, uma para o meu irmão e outra para o chá.
- Obrigada, moço alto! – Ela apanhou o dinheiro, se afastando, e foi nessa hora que me dei conta de que não havia me apresentado nem perguntado seu nome, então apenas ri e acenei adeus por ora. Ela provavelmente morava perto e talvez nos cruzássemos na rua de novo.
- Onde diabos você estava, menino? O chá está esfriando! – exclamou minha mãe ao se aproximar. Eu fechei a porta e mostrei-a as caixas de biscoito.
- Não faz mal, mãe. Vamos comer uns biscoitos. E esta outra caixa é para a senhora.
- Ah, muito obrigada... – ela fez uma pausa, me olhando enviesado. – Mas e o seu pai?
Eu dei de ombros com uma risada abafada.
- Isso é com você. Quer saber? Não vou mais dar a outra caixa para o João...
- Por quê?
- Aquele puto roubou minhas meias de novo.
- PFFFFFFTTT oras. Biscoitos, então. – Minha mãe gesticulou no ar, já voltando na frente para a cozinha. – Sugiro que você esconda bem essa coisa. Você sabe o quanto seu cachorro é sorrateiro e eu não o quero espalhando farelos no meu chão. – Ela cacarejou uma risada.
- Mentira! Ele é um bom rapaz. – Protestei ao puxar uma cadeira e sentar.
- Diz isso porque viaja muito e não o vê tanto assim. Você é o bom rapaz, não ele. – Minha mãe sacudia a cabeça enquanto colocava a chaleira de volta ao fogo.
A borda da caixa meio mastigada e os farelos debaixo da minha cama no outro dia só reforçaram a minha teoria de que os cães são os piores guardadores de segredo do mundo...

15/08/2019

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Senhoria

Ei,
meu bem,
sou tua e apenas tua
pois assim o desejei
e enquanto for tua
não serei de mais ninguém.

14/08/2019

sábado, 10 de agosto de 2019

Bianca e o pássaro azul - excerto

Mais um dia como qualquer outro acabando, o sol se pondo devagar lá fora e Andrea lendo à luz baça da lamparina. Algum tempo depois, fechou o livro marcando a página com um dedo e foi até a janela para abri-la e deixar um pouco de ar entrar. Quase que imediatamente, um corvo pousou no parapeito e olhou para ele com olhinhos curiosos, o que o assustou.
- Eu já sei, desgraçado! – exclamou ele num ímpeto de fúria. Usou o livro para enxotar a ave dali e se ouviu xingando debaixo da respiração. Não precisava de um lembrete assim tão óbvio.
Andrea nunca tivera medo da morte, nem do que pudesse encontrar do outro lado, se é que havia alguma coisa. O ser cíclico e temporal como o resto todo à sua volta era o mais lindo e sublime na sua espécie. Mas ele sabia do preço a pagar por tentar barganhar com aquilo que considerava mais natural. No entanto, não se arrependera e não desistiria até conseguir seu objetivo.
Sentou-se novamente na cadeira de balanço, abrindo outra vez o volume antigo sobre a perna cruzada. Quando seus olhos focaram no poema quase da sua idade e ele notou do que se tratava, riu sacudindo a cabeça diante da ironia das coisas. O texto descrevia um eu-lírico inconformado com a morte da pessoa amada desde os tempos de criança, recusando-se a sair de perto do túmulo e do cemitério, mesmo com a desaprovação do clero local. Considerando suas circunstâncias, seu estômago embrulhou-se e sentiu dores de cabeça.
Ele fechou os olhos devagar e aos poucos pegou no sono; a cabeça contra o espaldar da cadeira num ângulo agudo que lhe esticava o pescoço e o gentil vai-e-vem do corpo no empurrar do pé que estava no chão. Porém o que lhe vieram não foram sonhos agradáveis, e sim uma sucessão de memórias picotadas e borradas, mas muito vívidas, de tudo o que o levara a estar onde estava.
As visões ficaram um pouco mais nítidas conforme mostravam a passagem do tempo em que Andrea crescia e saía de casa para seguir o que sabia ser seu destino e vocação; sempre com muito trabalho e ocasionalmente com o que alguns chamariam de sorte e uma pitada de bênção daqueles que vieram antes dele... Até chegarem ao ponto crucial.
O rapaz era acolhido em suas andanças e ânsia por aprender na casa de uma anciã sem marido nem filhos que se tornaria uma das pessoas que ele mais respeitava e admirava, em termos de personalidade, trabalho e das coisas vistas e experimentadas. Logo os vizinhos passaram a referir a Andrea como seu neto adotivo, principalmente quando os viam andar de braços dados em direção ao mercado ou ao bosque. Nenhum dos dois parecia se importar de dizer o contrário.
Até que, na noite mais escura e silenciosa de que consegue se lembrar, ele rapidamente se viu contorcido na cama do quarto de hóspedes, ardido de febre entre lençóis encharcados de suor que lhe pinicavam a pele com a sensação de que estava deitado sobre uma fogueira. Entre períodos de semiconsciência, tentava consolar a mulher iluminada que chorava em sua cabeceira enquanto soprava fumaça de sálvia queimada em sua direção e lhe impunha suas mãos sábias sobre a testa e o coração. Tudo aconteceu tão inesperadamente que nem mesmo Andrea sabia explicar o que acontecia em seu corpo.
“Meu menino, meu amigo... Você ainda tem tanto a fazer, não pode ir embora agora... Resista e fique, jovem filho das flores.”
“Não chore, Senhora... Eu não partirei... Enquanto tiver a honra da sua palavra e companhia...”
“A honra é minha, rapaz. Você sabe disso. Queria poder fazer mais por você...”
Andrea teve um ataque de tosse e cuspiu um filete de sangue entre os dentes trincados pelos calafrios. Limpando a boca agora pintada de vermelho nas comissuras e na área de transição dos lábios o melhor que pôde, acariciou a mão em seu peito com um sorriso torto e um tanto triste.
“A Senhora sabe que pode. Eu nunca lhe pedi nada a não ser abrigo, comida e orientação. Então não há de negar o último querer de um moribundo, não é?”
“Qualquer coisa, Dea.”
Ele engoliu em seco. Mal sentiu quando ela lhe afastou um cacho suado do rosto.
“Uma colher daquilo que a Senhora me ensinou a fazer, mas a nunca usar. Uma já basta.”
A mulher prendeu a respiração pelo que pareceu muito tempo enquanto ele falava e mesmo depois, absorvendo a informação.
“Tem certeza, filho?”
Andrea virou a cabeça no travesseiro com um movimento brusco e uma careta de dor.
“É o único jeito.”
Mais ou menos meia hora depois, a mulher voltou para um Andrea exausto e fraco com um frasquinho minúsculo decorado de filigranas e uma colher de sopa. Cutucou-o gentilmente; o medo dissipou dentro dela quando ouviu o ronronar suave da respiração e o lento abrir de seus olhos. Apesar de ser pequenina perto de Andrea, teve força para segurá-lo meio sentado na cama e esvaziar o frasco na colher e depois nos lábios do moço. Ele tomou a poção com a gratidão, lágrimas nos olhos e a obediência de uma criança, muito embora aquilo tivesse a textura e gosto de veneno ácido.
Sua visão ficou turva de repente, cortando para uma imagem da mesma senhora sorrindo de orelha a orelha ao vê-lo em pé novamente, ainda que com um grau de preocupação na expressão. Cortou novamente mostrando-lhe o bater de asas de um tordo marrom para a escuridão do bosque e outra vez para sua mentora afagando seu rosto e a barba por fazer, a mão descansando na gola da camisa enquanto conversavam à mesa... E virando devagar para seu pescoço. Ele acordou sobressaltado e sem ar, como se o houvessem estrangulado; a última coisa que se recorda de ter visto era o rosto de Dona Bianca por detrás de mechas de cabelo.

10/08/2019

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Oralidade

A pétala dos lábios
tão quente quanto os olhos
e o chá que bebes
para deixar as cordas mais leves...

Onde o prazer de um pio
não ecoaria ao vazio
e sim é lâmina que fundo corta
mas ainda lembra do que mais importa.

08/08/2019

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Dignidade

Se alguém me perguntar
estarei entre o povo que acha
que em dedos como os teus
tal qual os meus
não cabe graxa
mas mancha de tinta
e o prazer
na gordura da batata frita
e no suspiro de uma mulher
ao amar.

08/08/2019

domingo, 4 de agosto de 2019

Riqueza

Meu reino por um colo como aquele
onde em pequena grandeza me vejo -
minha fortuna por outro beijo
que seja dele,
que me fique na pele.

Minha alma por um olhar
e um sorrir
que mesmo sem querer
veio aqui só para derreter
esta mulher
louca por ti
e por te amar.

04/08/2019

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Bianca e o pássaro azul - excerto

Por mais que possuísse muitos servos no palácio que poderiam fazer (e faziam) sua toda e qualquer vontade e que iriam até os confins do mundo para obter o que ela quisesse sem que ela mesma precisasse levantar um dedo, já que era uma princesa, Bianca, como de outras vezes, fez questão ir à rua em pessoa escolher e comprar suas flores e frutas favoritas para tê-las em seu quarto. Ficaria feliz em encontrar boas laranjas, um bonito cacho de uvas escuras e talvez um ramo perfumado de alecrim.
Conforme andava pelo mercado, era cumprimentada por muita gente, já que o povo a conhecia como uma moça gentil e de fala muito mansa que fazia o que podia pelos que lhe pediam ajuda, intercedendo ao paradoxalmente generoso e inflexível rei, o seu pai. Naquele dia ela andava acompanhada de uma de suas amigas, que era filha de uma família nobre, e da serva que havia cuidado dela desde bem pequena junto com sua mãe.
- Sua Alteza já está moça, não fica bem andar assim. – resmungou a criada.
- Assim como? Por acaso estou pela rua sozinha, ou tarde da noite? – indagou a princesa. – Só quero minhas florezinhas e frutas. Que mal há nisso? Além do mais, é bom que as pessoas conheçam sua realeza para que possam contar com ela.
- Mas a Princesa cresceu e logo vai embora... – a voz da criada soou maternal chorosa, como se Bianca já estivesse muito longe dali. Ela estacou onde estava de braços dados com sua amiga, uma jovem duquesa por nascimento, e olhou para a mesma com expressão interrogativa no rosto franzido.
- Minha mãe ouviu falar que Sua Majestade, o rei, decidiu que você já está em idade de se casar, então escreveu cartas aos reinos e principados próximos para que mandem seus herdeiros como pretendentes oficiais e que venham o mais rápido possível. – Sussurrou a duquesa. – Isso não é ótimo?
- Não quando eu sou a última a saber. E para quando os tais pretendentes são esperados?
- Semana que vem, no dia do seu próximo aniversário, quando será dado um grande banquete anunciando que em breve você ficará noiva. Metade da população já especula que os mais ricos príncipes brigarão pela sua mão, já que minha Princesa e grande amiga é considerada o partido ideal! – a duquesa curvou-se de leve, com o rosto corado e uma risadinha brincalhona escapando nos lábios.
- Sua Graça está certa... Por mais que me doa ver a Princesa partir, temos que rezar e fazer a nossa parte para que tudo dê certo e Dona Bianca arranje um bom casamento... – disse a ama, afagando a cabeça da princesa.
Embora soubesse que, mais dia, menos dia, isso aconteceria, a mente de Bianca começou a girar e ela ordenou que não mais se falasse no assunto. Ela descobriria mais quando voltasse para o castelo, mas agora só queria um ramo de alecrim para lhe dar mais foco e clareza para o que viria adiante; já que muito provavelmente seu dote a um futuro marido incluía as terras férteis e belos palacetes que já eram seus por direito, não duvidava que seu casamento fosse outro dos muitos casos de mero acordo financeiro selado com a mistura do sangue de duas casas reais em laço matrimonial. Era de se esperar, mas não deixava de ser triste. Sempre ouvira falar que sua mãe aceitara o pedido de casamento do rei por amor, então desejava pelo menos conseguir ter o mínimo de respeito e consideração por seu esposo.
Dona Bianca separou-se um pouco de suas acompanhantes e caminhou alguns metros à frente até uma banca onde uma simpática mulher de meia-idade vendia ervas e flores, de quem comprou o sonhado maço de alecrim. A vendedora sorriu, agradeceu e lhe desejou sorte, aconselhando-a a guardar um dos raminhos em separado e colocá-lo em seu buquê de noiva. A princesa guardou silêncio, acenou com a cabeça e, olhando um instante para trás, dirigiu-se à banca ao lado, onde vendia-se frutas.
- Boa tarde! Suas laranjas parecem bonitas... Por acaso você tem uvas também? – ela perguntou, sem tirar os olhos da mercadoria.
- Laranjas bem doces e as uvas favoritas de Sua Alteza. Boa tarde para a senhora. – respondeu uma gentil voz masculina coberta de registro gutural, que mesmo rompendo o ar com leveza não evitou que Dona Bianca se assustasse um pouco.
- Oh! Como você sabe?
- Um passarinho azul foi até a corte e me contou. – Murmurou o rapaz, que logo fez uma mesura com as mãos às costas. – Perdoe-me se lhe assustei, madame.
- Está perdoado. – Bianca devolveu a mesura rezando internamente para um dia, quem sabe, não ser mais tão assustadiça como um gato. – Três laranjas destas e o seu cacho de uva mais vistoso, por favor. – pediu a princesa, que se pegou rindo do senso de humor do moço quando ele se agachou de costas para ela para apanhar uma sacola onde carregar as compras e as uvas, que ficavam conservadas no gelo.
- Aqui, madame... Suas uvas e uma sacola... – ele soou tímido de repente, o corpo um pouco retraído. – Estão geladas, se não se importa. Assim, permanecem frescas... Talvez queira chamar sua aia...
- Não será preciso, obrigada! Já tenho onde levar tudo. E é justo que estejam no gelo, assim como os belos buquês de rosa que eu costumava ver por aqui. – Dona Bianca indicou a bolsa que levava a tiracolo, onde já estava seu alecrim, e estendeu a palma direita ao jovem.
- Eu acredito, Alteza. – Ele sorriu, e a princesa percebeu que era um sorriso de criança, como de um menino. Aquilo infectou a princesa, que pensou consigo que há muito não via um homem que sorrisse assim. – Por conta de Andrea, seu leal criado. – Os olhos de Andrea puxaram os de Bianca por um instante, logo antes de ele abaixar o olhar e a cabeça quando seus dedos compridos roçaram aquela mão consideravelmente menor que as suas.
A moça fez que não com a cabeça, deu uma breve olhada no cacho, guardou-o na bolsa e, com a mão esquerda, sacou duas moedas de ouro de uma fenda no corpete do vestido para entregar a ele. Andrea tentou recusá-las.
- Não mesmo. Eu faço questão. Dois ouros pelas suas lindas frutas. – Aceito o pagamento, seu rosto se iluminou e sua voz soou leve, jovem e brilhante. – Agora me diga quais laranjas estão mais doces, por favor.
O fruteiro guardou as moedas no bolso do colete que ficava perto do coração e indicou que tinha quase certeza de que aquelas que se reuniam na fileira mais perto de Bianca estavam particularmente doces e suculentas. Deixou que ela apanhasse as que desejasse e sussurrou que adoraria saber se foram do agrado da princesa, quando e se ela aparecesse no mercado outra vez.
- Ou talvez por um criado... Se não for muito atrevido da minha parte, é claro... – o rapaz tinha os cantos da boca curvados para cima num apertado sorrisinho sem dentes.
- Não, não... – murmurou Dona Bianca num fio de voz. Ambos se despediram com uma última mesura e logo ela saiu para procurar a duquesa e a aia, que já estavam fora do perímetro do mercado normal, o que a fez demorar um pouco na busca.
Como encontrou-as entretidas entre sedas, brocados e rendas delicadas numa loja logo atrás da banca de Andrea, perguntou em tom jovial se alguma delas precisava de um vestido ou xale novo, sorrindo a quem se curvava em saudação.
- Claro que preciso de roupa nova, Dona Bianca! – exclamou a amiga da princesa. – Não é todo dia que se é convidado para um casamento real. – sua empolgação foi contida quando Bianca sibilou em desaprovação com um dedo aos lábios. Não havia mais ninguém na loja além delas e dos vendedores, para alívio dela.
- Alteza! Por que demorou tanto? Se eu não tivesse que acompanhar a duquesa também, teria ido atrás da senhora imediatamente... Nada disso é de bom tom. – disse a aia. – Imagine se a rainha ou a duquesa descobrem ou desconfiam que não cumpri meus deveres!
- Ora, não exagere, minha querida, o sol ainda não se pôs. E eu estava sendo gentil e educada com quem me vendeu as frutas, como você e minha mãe me ensinaram. E estou feliz com o que consegui. Olhem só que beleza... – Bianca abriu a bolsinha e puxou dela o cacho de uvas ainda gelado.
- Ah, parecem ametistas ou pedras de ônix, bem grandes e escuras! – admirou-se a duquesa, que trazia sobre o braço um pedaço de veludo. – Onde conseguiu estas?
- Naquela banca logo atrás daqui; as frutas dali me pareceram todas muito boas, o rapaz ainda deve estar lá... – a princesa indicou com a cabeça a direção de onde viera e esticou o pescoço para ver se encontrava Andrea em pé ou descansando sentado no banco alto que havia visto antes.
Mas ele já devia ter ido embora. Por algum motivo, tudo o que viu foi espaços vazios onde estavam as laranjas e nenhum banquinho, caixa ou mochila atrás da tenda. Sobre o pedaço de tampo liso da armação de madeira, percebeu apenas uma longa e bonita pena de pássaro, azul escura. Escura como o vestido também azul que ela própria usava, que tinha flores brancas com detalhes em azul claro aqui e ali ao longo dele todo, mesmo nas mangas; flores bordadas à mão. Como as uvas que segurava, em cacho que caía gracioso sobre si mesmo em espelho ao cacho moreno de Andrea, que nele ia até o queixo.
Ainda restava algum tempo até que o jantar ficasse pronto e o rei voltasse de suas reuniões com os lordes e conselheiros da corte, então Bianca decidiu passá-lo em seu velho esconderijo de infância comendo as frutas e pensando no que dizer a ele. Quem sabe não teria algum tipo de voz no processo. Mas, considerando que era o milagre, a única herdeira daquele reino, algo dentro dela a fazia duvidar que as coisas andariam minimamente a seu favor.
- Fui criada apenas para ser consorte e entregar meu reino a quem oferecer a melhor barganha, não para governar de verdade... – ela sussurrou para o vazio. – Isso pode dar muito, muito errado.
No entanto, as uvas que comprara de Andrea estouravam tão fácil na boca e eram tão diferentes de tudo o que já havia experimentado, que parecia haver algo nelas que aos poucos esvaziou e acalmou os pensamentos de Dona Bianca, fazendo com que ela conseguisse realmente caber dentro do espaço mais ou menos estreito, mas alto e de grande comprimento atrás do retrato de corpo inteiro de uma antepassada na parede leste de seu quarto. Quando chegasse a hora certa, voltaria a ser filha e saberia de tudo. Mas não agora.

Rocha

Deixo a luz do sol bater um pouco a cada vez sobre as várias faces e ranhuras lapidadas por tempo e destino para que ilumine e penetre a gra...