terça-feira, 31 de agosto de 2021

Aliterado II

é no escuro e no silêncio,
no quase vácuo
que, por fração de segundo, ele vem.

passa por ti e olha
na tua direção -
não anda por ela.

e, exatamente como antes,
apenas segue.

o que quase foi apagado
mas em mais de um lugar ainda permanece
cala as palavras,
talvez porque não haja nada a ser dito.

entre sons e cores frias
te dá um breve eco de sonho que nunca se realizou
e te arranca o sorriso agridoce
que não chegou a ver.

não mais te prende e outra vez se vai,
mas é de ti que a verdade escapa,
sendo simplesmente o que é -
e quem se importa?

ah, se soubesse
do que te faria atirar-se às chamas...
mas, assim como tu, de certa forma
ele sabe.

talvez seja um defeito,
ou apenas uma maneira de não fugir
do que acena de volta de vez em quando...

o passado tem dessas coisas. 

30/08/2021

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Água II

 em ondas sobre mim,
mas sem o gosto de sal.
em que se banha
e de que se bebe.

que se oferece a mim em goles esparsos,
porém sôfregos,
que me fazem arfar e querer mais
na sede de que me lembras.

que se derrama, que escorre lenta
ora desde os cabelos,
ora do pescoço para baixo como numa purificação,
ora desde os lábios
porque neles não se contém.

furtiva, se guarda em certos lugares, certas taças,
até morrer em outros -
entre pétalas de flor, folhas e linhas.

de mãos trêmulas e quentes,
faz estremecer a finura que toca
em um misto de devoção e rotina.

canta, sussurra e recebe.

porque tu és água.

24/08/2021

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Motivos II

 atravessei céus inteiros
e fui parar na beira de uma água que nunca vi -
abanei a cabeça e sentei
perto do fogo que tuas mãos fizeram e deixaram aceso

vendo o pôr do sol,
a lua
e cada pontinho que se atreve a brilhar no escuro.

me embrenhei no mato só pra voltar pro silêncio
da falta de televisão
e finalmente ler, num sofá alugado,
o calhamaço com letra pequena
emprestado da minha mãe
que há anos não termino

e de repente as canções de amor
começaram a fazer sentido de novo.

te convidei dia após dia
pra passar as horas nos meus braços -
o máximo possível da vida
vivida e resolvida no calor da cama

fizemos amor
como se cada vez fosse a última
das tolices fantasiosas
escritas no espaço entre duas peles

por saberes que não és dono
da vida nem do corpo em tuas mãos.

por atenção,
pelo prazer,
pela espera.

talvez por paixão.

tomara que por amor.

 

24/08/2021

terça-feira, 24 de agosto de 2021

24/08/2021

 Talvez o que faça com que as palavras 

se misturem e se tornem inúteis 

seja quando se resumem a apenas uma.

sábado, 7 de agosto de 2021

Conversão

o templo se abre e recebe
o sentimento, a oração,
a rendição
abraçada
e una

dito o nome,
a terra morna deste
aceita
e come
o mel que deita
sobre as pérolas dadas

e bebe
o cálice de lágrimas
da libação
até que, derrubada
cada coluna
só sobre a ti e a deusa que de mim fizeste.

07/08/2021

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Debaixo do véu

na distância entre duas línguas
se pinta a imagem

e se sente
e se vê

a mão que se estende e toca
trêmula,
a oferenda,
o instante do eclipse
alterado no escuro

do que pensam as duas cabeças
da hidra
e do que respondem os tantos lábios
das coisas desfeitas.

05/08/2021

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Poeira

eu realmente não sei dizer adeus.

as ausências se estendem
como se a volta fosse sempre certeza

até que o encontrar qualquer
se torna o despedir
onde o longínquo
leva tudo embora
 
e tão pouco me sobra
 
pois não me deixaram mais que teu nome,
a memória repentina
do buraco negro dos olhos
alargados por detrás dos aros
que te permitiam ver tão fundo,
 
a foto da tua parede
cheia do passado
em quem até quem nunca esteve contigo te reconhece.
 
nem mesmo um lenço de rosas
para secar as lágrimas
que por um momento fingiram
que não cairiam
 
na breve exceção das tuas garras raras,
por um instante nuas
que permanecem em mim
em dedos
que se ferem com outra ponta
 
mas, espero eu, com a mesma coragem.
 
05/08/2021

Rocha

Deixo a luz do sol bater um pouco a cada vez sobre as várias faces e ranhuras lapidadas por tempo e destino para que ilumine e penetre a gra...