sexta-feira, 31 de agosto de 2018

As provas de cada dia

Hoje já tenho mais noção dos privilégios que carrego no tanto de sangue europeu dentro de mim. E por conta disso, que não posso responder em pessoa pelos sofrimentos de tantas outras que não partilham do meu fenótipo - assim como não posso fazê-lo com quem não possua a mesma deficiência e/ou dificuldade de locomoção que eu.

Mas isso não me impede de achar injusto ver tantas outras passarem por situações tão constrangedoras ou mais, e me juntar a elas da maneira como me for possível. Não consigo nem imaginar o trabalho extra que elas precisam fazer.

Porque quem acha que mulher não tem que se provar para o mundo o tempo inteiro para não ser passada para trás e aprender a levantar a voz e a receber olhar torto quando isso acontece, vive dentro de uma bolha. E não sabe o quanto custa e demora para a gente aprender que pode e deve fazê-lo. Eu mesma estou nesse caminho - e como ele é longo...

Estou nele como mulher e deficiente física. O deficiente também precisa se provar, por mais descabido que seja. Provar que sabe do que está falando e fazendo; que pode estar em todos os lugares como os outros. Claro que cada coisa que conseguimos com as limitações que carregamos é uma glória que deve ser comemorada...

Mas fazer uma faculdade, poder trabalhar com o que se gosta e viver com dignidade é algo que todos querem, merecem e que é direito de todo mundo. E no entanto, olham para mim como um ser digno de contemplação. Que consegue absurdos com cada passo percorrido porque é subestimada duplamente: por ser mulher e pelo que a deficiência me tirou.

Eu já provei para mim mesma que posso muito há muito tempo, mesmo que eu ainda tenha absurdos a melhorar por dentro e por fora. Só quero viver, e não ter que ficar dando demonstração (nem para mim mesma). Mas o mundo ainda me pede mais. Não posso imaginar como é para as outras que se encaixam nas outras minorias também. Quem acha que isso não faz sentido, precisa sair da bolha imediatamente. Vocês não sabem do que estão falando e não têm o direito de nos dizer nossos papéis nesse mundo, porque ele nos pertence também. Muito menos de exemplo, a não ser que seja algo que a própria pessoa queira.

Até mesmo quem tem pessoas com deficiência na família pode dizer e fazer coisas do tipo, e a ignorância é muito cansativa, porque agora eu entendo o conceito de lugar de fala. Deve ser combatida, é verdade, mas já nem tenho paciência com ela em geral.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Artigo de luxo

A coisa mais linda
será teus olhos,
teus braços, tuas mãos, assim,
e como eles despem de mim
o que se atreve a restar ainda.

Tua boca é chuva morna
sobre os poros
que te bebem
e tanto querem
a hora em que retorna.

A estrela de um narciso,
flor de ouros
em cujo veludo
eu olho e vejo tudo
o que nunca vem com aviso.

30/08/2018

domingo, 26 de agosto de 2018

Estilhaço

Seja cada peça
de quebrar a cabeça
contanto que se reconheça
e não esqueça
onde uma termina e outra começa.

24/08/2018

sábado, 25 de agosto de 2018

Marcada

Tanto de nós é tatuagem
que marca e fica,
nada nunca apaga ou risca
nem transforma em miragem...
Mas a gente escreve por cima -
talvez nem sem o pior não dê para ser
mais que medo de menina
e se possa deixar esvanecer.

24/08/2018

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Middle ground

What if he forgot what he was told
and went to see the sun
because anywhere else was too high
or too cold
for the weary head once upon a thigh
built off grace, wit and fun?

24/08/2018

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Sirena

Ser raro e sofisticado
a quem talvez eu nunca dissesse
do simples aqui guardado
que em pensamento é uma prece.

Mas de mim tira as amarras
e arranca as palavras
a hora que quiser.
Só porque é sutil, só porque é mulher.

Ela e não outra qualquer.

E nunca me arrependa
nem do que para uns é mágoa
de beber da tua água
e abraçar a tua renda.

Porque seria muito pouco
o capricho de uma rainha
diante do velho choro rouco
pelo nada que se achava que tinha.

Sou dela e ela é minha.

21/08/2018

terça-feira, 21 de agosto de 2018

What lies beneath

Who is the real you
and the persona you create,
who is it?

When and where do they meet
to decide your fate
if they ever do?

Can you tell the old from the new
and when you're saying your own truth?

When are you really you
and not just a half
you can't quite let go
as it drowns on a cold bath?

21/08/2018

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Incompletude

Talvez a injustiça na dificuldade em amar a si mesmo como um todo tenha a ver com as facetas de nós que ficam mais aparentes dependendo do momento e de com quem estamos. É mais fácil amar e expressar as partes boas de quem somos para que elas atraiam os outros para perto de nós...

Mas a verdade é que só permanece quem olha para o resto e vê o todo. Por isso de certa forma pode-se encarar as partes boas como máscaras, mesmo que sejam sinceras. Mentiras que também são verdades - ou às vezes apenas invenção num devaneio de quem gostaríamos de ser.

E daí vem o medo de mostrar tudo e acabar sozinho; porque os outros merecem mais e melhor. Mais do que algo fingido ou pela metade, e certamente mais do que aquilo que abominamos em nós mesmos.

Talvez no fim a gente literalmente só permita que nosso desejo se realize e fique vulnerável de verdade para o próximo quando nos reconhecemos como amáveis e somos pacientes com tal vulnerabilidade - até porque mesmo com todo o trabalho para que os defeitos não sejam tão destrutivos, certas coisas nunca mudarão porque somos imperfeitos (mas não menos dignos de amor).

Talvez seja isso o que todo mundo quer dizer com "ame a si mesmo antes de amar o outro". Porque para olhar para as falhas deles, para aprender com elas e amá-las por tudo o que são, sem restrições ou inibições, precisamos fazer o mesmo conosco.

É tão injusto e triste só sermos completamente nós mesmos quando estamos sozinhos, sem ninguém olhando. Ou nas páginas dos diários, por entre as linhas e palavras honestas, porque só assim é que dá para se expressar. E tão doido perceber coisas que só nos dizem respeito e que temos que cuidar sozinhos, mas que até certo ponto são mais fáceis de enfrentar e menos doídas com as pessoas certas ao lado.

O que me faz questionar se faz sentido aprender (ou pelo menos tentar aprender) a se amar olhando para o amor alheio por nós. Que se sabe ser palpável e puro mesmo quando não viu tudo porque já nos vê como os melhores.

Talvez seja só com essa resposta que a gente consiga viver nosso potencial. Provavelmente com arrependimentos, que são muito normais, mas sem culpa; porque culpa é pior que a morte.
10 de agosto de 2018

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Fim de tarde

Vem, menina,
no meu colo
e me nina,
sou só um tolo...

Tira essa faina
com teu consolo,
a melhor medicina
para o meu sono...

Fica e me ensina
no calor do teu seio
da beleza da ruína,
do eco do chilreio...

Eu de flor de tangerina,
de mim hoje tão cheio
cabendo em ti, pequenina,
buquê colhido ao passeio...

02/08/2018

Rocha

Deixo a luz do sol bater um pouco a cada vez sobre as várias faces e ranhuras lapidadas por tempo e destino para que ilumine e penetre a gra...