domingo, 16 de outubro de 2016

XV

Olá, meu amor!

Fiquei pensando na conversa que tivemos e naquilo que tu me falaste sobre o conceito que tens de casa... É como se com o tempo tu tivesses passado a pensar onde moras hoje como tua verdadeira casa, um lar que fizeste para si, mas ao mesmo tempo a alegria que as pessoas que deixaste aqui sentem quando tu vens te faz sentir em casa também, de uma maneira um pouco distinta, mas não menos gostosa, certo?

Acho que é assim que eu me sinto também, com esse meu medo de perder o familiar misturado com uma vontade louca de abraçar o novo, o diferente, aprender com ele e fazer disso algo igualmente confortável. É estranho, mas não acho que seja prejudicial. Por isso cada vez mais acho que o nosso lar é onde o coração da gente está; onde a gente se sente a um só tempo livre para ser quem é e ter certeza de que pode melhorar como pessoa, se achar que deve.

O que me leva a crer (até por experiência própria) que um lar não precisa ser necessariamente um lugar, ou apenas um lugar. Mas com certeza um lar é um conceito construído por cada um à sua maneira, embora tenha mais ou menos o mesmo esqueleto para todo mundo. Eu, por exemplo, talvez possua pelo menos três idéias do que foi, é ou será um lar para mim.

A casa onde 4 gerações de um lado da minha família morou, onde eu mesma fui criada até os 6 anos de idade, pode ser considerada um lar que eu tive e do qual sinto falta. Talvez pela história toda dela e o significado que todos nós atribuímos a ela por conta deste histórico; talvez porque nela eu vivi o que provavelmente foram os anos mais felizes e inocentes da minha vida. Acho que sempre será estranho para mim passar em frente a ela sabendo que não hei de adentrá-la de novo.

Não sei se essa sensação de conforto mudaria se algumas das minhas circunstâncias fossem diferentes e eu por acaso acabasse morando lá até hoje ou mais algum tempo, mas é inútil pensar nisso agora. Provavelmente sim.

Há muito tempo não consigo ver a casa onde escrevo estas linhas como meu lar, apesar do medo que ainda tenho de enfrentar o mundo e de ela ter sido construída para ser minha, para que eu pudesse viver melhor do que onde eu estava. Provavelmente por conta do modo como fui criada e de tudo de doloroso que eu passei a entender aos poucos desde a morte do meu avô; a imperfeição à minha volta e dentro de mim.

Talvez meu verdadeiro medo não seja exatamente o que vem por eu ter de ir embora desta casa, sendo que por ora e não sei quanto tempo ainda terei de ficar com meus pais e carregar minha raiva e dor comigo para onde eu for, mas por saber que não tenho como construir uma vida nesta cidade. Ter de ir embora da fronteira. Saber que aqui não há como eu encontrar o que eu busco.

Pelo jeito sou mais provinciana do que eu pensava; me dói saber que este lugar é tão longe de todo o resto e há muito já não é o que um dia foi e poderia ser. O que deve significar que embora eu não veja minha casa como meu lar no momento (e nem sei se verdadeiramente consigo ou posso chamá-la de “minha casa”), esta cidade perdida no mapa que ninguém de fora sabe direito onde fica ou mesmo deve ter ouvido falar é um lar para mim. É de onde eu venho e onde eu gostaria de morrer, se puder escolher.

E, como tu já sabes, outro dos meus lares é estar perto de ti e principalmente dentro do teu abraço. Dentro dele nada mais precisa ser dito e toda a dor se vai; talvez seja meu outro lar porque funcione não só como um gesto carinhoso que já se tornou nosso e do qual sentimos falta, mas como uma confirmação de que estamos mesmo no coração um do outro o tempo todo e de que a esperança que o que temos me dá ainda fará de mim alguém muito melhor e possivelmente vice-versa.

Eles me fazem ir para casa acreditando outra vez no mundo e nas pessoas e ir dormir com o coração mais sereno. Serão nossos abraços nossos maiores e mais bonitos silêncios?

É lindo saber que sou uma das razões para tu vires para cá, entre tantas... É a maior das lisonjas e um dos meus muitos agradecimentos a ti. Também é maravilhoso que tu venhas me visitar onde eu for daqui um tempo. Toca-me tu sempre cumprires tuas promessas a mim; sei que desta vez não será diferente e isso não deixará que os dias passados num lugar onde não pertenço e não quero estar sejam tão doídos... Sei que tu o fazes por amor e honra a mim.

Eu ainda hei de ter prazer de verdade em te abrir a porta da minha casa, como fiz com a do meu coração. Da minha casa de verdade; do meu lar de paredes, teto, concreto, livros, poesia e quadros pendurados que ninguém há de tirar de mim. Embora eu hoje não te convide muito para vir aqui pelas coisas que sabes que sinto, tu sempre serás minha visita mais ilustre e mais linda, onde quer que eu esteja, mesmo dormindo no escritório (risos). Quilômetros não nos separam de verdade e sabemos muito bem disso.

O que tu disseste dissipou qualquer medo que eu tinha de que uma distância maior pudesse mudar alguma coisa, mas de todo modo espero poder mudar a nova parada do teu mapa de novo para um lugar melhor, não tão distante, embora ainda não saiba qual; só o tempo dirá. Quem sabe fisicamente mais perto de ti do que imaginas...

Espero com o tempo não me tornar uma decepção para ti. Até hoje tu me lembras do fogo que queima na minha alma e que não me deixou largar tudo, então muito obrigada; eu não desisti de mim, apesar de ainda me sentir presa e de coração gelado. Foi bom ter voltado para casa por umas horas e senti-lo quentinho outra vez! Já estou com saudades, mas tu segues sempre aqui comigo.

Talvez eu não goste mesmo de despedidas e por isso as nossas sejam longas nas cartas e até nas presenças... Mas isso é apenas um até logo. Desejo sorte e paciência a nós dois porque o mundo nos pertence e ainda temos tempo – a mortalidade e o medo não vão nos impedir de querer viver. Não vejo a hora de dividir uma torrada e mais um sorriso contigo, meu irmão, meu amigo, meu querido.

Com amor, da tua pequena.

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