segunda-feira, 28 de abril de 2025

Ninguém é uma florzinha de pessoa e tudo bem

É fácil me martirizar e gritar aos quatro ventos que sou humana. Que sou imperfeita, que tenho defeitos. Hoje eu consigo reconhecer parte desses defeitos, assim como sei que existem partes de mim que permanecem guardadas, esperando serem aceitas e por uma oportunidade de se manifestarem livremente. Partes que não são necessariamente ruins.

O difícil parece ser aceitar essa minha humanidade e imperfeição no ser e fazer. Encontrar o equilíbrio entre a busca por melhorar cada vez mais enquanto pessoa decente e que vive seu tempo e acabar se matando por não poder nunca chegar num lugar que nem existe.

É complicado não me assustar quando não me mostro agradável, sensata e correta. Que, não importando se por pura irritação, tristeza, reflexo de defesa ou de modo proposital, eu posso realmente magoar alguém. Que minhas falhas de caráter são reais e na verdade estarão comigo para sempre.

Ainda tenho dificuldade de entender que, não importa o quanto eu queira e busque melhorar, até isso tem um limite. Que eu posso e mereço existir sendo tudo o que sou, inclusive aquilo que não é tão bonito assim. Que quem mais precisa ver, entender e aceitar sem fugir de tudo aquilo que sou, deve ser eu mesma.

Entender que minha capacidade para o mal é real, mas que ela não anula minhas escolhas genuínas em direção à bondade para com o mundo. Que aquilo de bonito que há em mim também é verdadeiro, quanto mais naturalmente (e também por escolha consciente) se manifestar. Que eu mereço gentileza, amor e acolhimento como todo mundo, mesmo com as minhas falhas. Que eu me devo muito disso tudo.

A verdade é que todo mundo é uma flor com espinhos – inclusive eu. Às vezes mais pétalas, às vezes mais espinhos. E tudo bem. Todas têm seu lugar no mundo, porque assim teve de ser. Ora embelezam mais, ora espetam mais. Mas estar ali já é mais que suficiente.

abril de 2025

 

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Tristeza particular

 

 O passado tem dessas coisas. Prega peças aleatórias para nos fazer lembrar quem fomos um dia... E do quanto esse eu de outro tempo ainda resta em nós – para o bem ou para o mal.

Age de forma repentina, mas de um jeito que torna rememorar o detalhe grande ou pequeno a coisa mais fácil do mundo. Repete uma mesma informação com outra imagem como uma forma de provocação e até mesmo de teste.

Pode ser que ele nos pegue num passeio de carro pelo centro da cidade. Já é noite, então nós e nossa companhia decidimos comer um cachorro-quente da van estacionada na rua principal. A outra pessoa fica de sair para pedir e pegar a comida, e não nos importamos de esperar.

Do banco da frente, a gente espera. Espera e, como é de nosso feitio, observa. A luz forte que ilumina a vitrine apesar de a loja estar fechada há várias horas. As pessoas que passam, seja naquela calçada ou querendo atravessar para o outro lado. As que perdem definição ao passarem, por conta daquela luz. As crianças e o que elas parecem estar querendo.

E inesperadamente, no espaço de apenas alguns segundos, o passado se mostra. Ainda estamos sozinhos no carro, então não há como evitar o confronto nem fingir que aquilo nunca aconteceu. O passado decide assumir nome e sobrenome e no fazer duvidar dos nossos próprios olhos por um momento. Mas, antes de ser possível ver o rosto, já sabemos de quem se trata.

Bem diante de nós, ele se mostra e acontece outra vez. Surge perto o bastante para que possamos discernir seu tamanho e seus traços primários, por tecnicamente ter se virado na direção em que estamos... E é justamente isso que nos surpreende. Tantos anos depois, aquele instante mais parece uma provocação, e é quase difícil de acreditar, por ser tão improvável. Mas a vida confirma.

“Será que... Ah, é sim.”

Exatamente como na memória e na experiência o passado olha para onde estamos, mas não para nós. Olha logo acima da nossa cabeça, depois para o outro lado, com o mesmo olhar focado e ao mesmo tempo perdido em si mesmo... E passa, atravessando a rua em passo firme. Um estar dentro de um carro escuro e o outro na rua não altera quase nada.

Esse passado que nunca nos amou, e que sempre soubemos que nunca nos amaria. Fizemos as pazes com isso desde o começo. Esse passado nos machucou muito, é verdade. Mas aquilo foi há muito tempo. A outra parte da surpresa é percebermos que não sentimos mágoa do que vemos. Apenas lembramos o quanto aquilo foi importante, e não conseguimos não pensar no que teríamos feito.

Mas, felizmente, o pensamento não permanece. Assim como o passado, ele vem e passa... Naquele rosto que achávamos que tínhamos esquecido, mas que se parecia exatamente como naquela época. Um segundo ou dois, apenas, mas aconteceu. E lembramos. E sentimos. Sabendo que até aquele fragmento do passado não é mais o mesmo, ainda pudemos reconhecê-lo, como que em câmera lenta.

Não muito depois, a parceria volta com os cachorros-quentes. Estão gostosos. A vida segue, como ele seguiu. E, por incrível que pareça, não contamos sobre o que vimos para a pessoa ao lado. Por mais natural e até automático que seja fazer isso, achamos melhor guardarmos aquilo conosco. Um fragmento banal se torna algo raro ao nosso feitio... Uma tristeza particular.

 

21/04/2025

segunda-feira, 14 de abril de 2025

A arte de se justificar deveria cair em desuso

Devido à natureza social do ser humano, cada vez mais duas coisas me impressionam. De um lado, a distância a que tantos chegam com o objetivo de se encaixar em algum lugar, não importando qual ele seja. De outro, a coragem que uns poucos parecem ter de não tentar. De simplesmente existir e construir um contexto de pertencimento.

Justamente por isso, ainda me entristece perceber o que o desejo por amor e pertencimento pode fazer com alguém. Me entristece perceber que estou entre essas pessoas e que, por conta disso, ainda acabo me colocando em situações e entre pessoas que de um modo ou outro são constrangedoras e nada enriquecedoras tanto para as emoções quanto para o intelecto.

Ao mesmo tempo em que estou entendendo melhor que muito provavelmente muitos contextos não me trazem aquilo que desejo e preciso, ainda me vejo tentando me encaixar. Ainda me vejo me podando, me moldando a algo que no fim das contas vai me encolher. Porque me dói demais saber que meu lugar ali seja nulo ou extremamente reduzido.

Mesmo agindo sob o princípio de que não devo implorar pelo afeto de ninguém... Ainda me vejo abaixando a cabeça diante de amores cujas condições não parecem enxergar e abraçar tudo o que sou. Diante da perspectiva de por algum motivo ser menos para certas pessoas, eu ainda hesito, ainda me calo, ainda tento ocupar menos espaço. Enfim, ser menos de modo geral.

No fundo, isso é uma forma de se justificar. Assim como explicar sentimentos, escolhas e atitudes em contextos onde isso provavelmente é desnecessário. Conversar sobre sentimentos é bom. Ter noção do que norteia nossas ações e colocar outros envolvidos a par disso é muito correto e maduro. Mas fazer isso simplesmente para parecer agradável e amenizar todo e qualquer desconforto não tem sentido nenhum.

A verdade é que a gente precisa entender que nem todo mundo vai nos entender. Que nem todo mundo precisa nos entender. Que, no fundo, a nossa obrigação é encontrar ou criar o lugar onde poderemos ser nós mesmos de verdade. Que mesmo esse lugar nunca será perfeito. Que o único lugar igualmente imperfeito onde devemos buscar nos encaixar o máximo possível é dentro de nós mesmos.

A verdade é que a gente precisa se lembrar que se justificar vem da vontade de agradar. Da vontade de ser amado e de não assustar ninguém. De fazer com que a ideia que os outros têm de nós seja específica, reduzida e necessariamente benéfica. Fazemos disso uma arte que no fim não nos serve de nada. A verdade é que eu quero ficar ruim nisso. O preço de sermos nós mesmos é caro e assustador, mas só nos torna mais ricos.

abril de 2025

 

domingo, 13 de abril de 2025

Terra incognita ou Mar Morto

 talvez haja mesmo
algo
de vago
caro
e raro
no mal
necessário
do esmo
feito do sal
ário
à cuja guisa
de busca
como parte do caminho se torna
terra e rusga

em inferno repetido
no oásis que me foi descrito
mais de uma vez em verso -
só muda a língua,
só muda o tempo
e permanece o ar conquistado

já que afinal
é nele que está resto
preço
e história
com pouca glória
e em cuja queda
ainda meço
a milha continental
da perda

para a qual
vez por outra
ainda que torta
de novo me atrevo
a olhar.

 13/04/2025

Musings

I don't even know why I worry when so little of life goes the way I want... And when so much of my story can be defined and changed by a...