Letícia Bolzon Silva; graduada em Relações Internacionais pelo Centro Universitário UNINTER e Especialista em Tradução de Inglês pela Universidade Estácio de Sá. Escritora de prosa e poesia, redatora e tradutora freelancer.
quarta-feira, 27 de dezembro de 2023
Missal II
terça-feira, 26 de dezembro de 2023
Missal I
sexta-feira, 22 de dezembro de 2023
Nuances
que a fome se limita ao corpo,
o toque do teu peso
e o peso no teu toque
são o que me derrete
e rearranja.
Almas dispostas
que movem tuas mãos a abraçar um mundo desfeito
e a te colocares sob uma onda
erguida apenas para logo quebrar
sobre ti
e que talvez não produzisse som algum.
Mas que, no entanto,
preferiria rugir tão suavemente quanto possível
uma sinfonia aos teus ouvidos
depois de torna-se verso e gaita da tua boca
sem medo dos lugares,
carências
e trejeitos óbvios.
segunda-feira, 18 de dezembro de 2023
domingo, 17 de dezembro de 2023
sexta-feira, 15 de dezembro de 2023
Interiores
segunda-feira, 11 de dezembro de 2023
Credo
Não sei te dizer no quê creio.
O tudo em que creio ao mesmo tempo é um nada
feito do tanto de que me deseja o seio
e a alma faminta, até desvairada.
Pois desta forma inconsistente e ampla
que se leva à beirada de uma cegueira
ou à vida concreta, simples e branda
a minha fé se faz, moça trigueira.
Talvez haja muito pouco de que duvido
e em muito me agrada a imagem
do que digo pertencer a mim.
Dentro da ingênua bobagem
o que mais me sussurram ao ouvido
é a felicidade reservada ao fim.
11/12/2023
sexta-feira, 8 de dezembro de 2023
07/12/2023
Sou mais velha e mais jovem
do que pareço.
O tempo em que vivo
me assusta,
mas faço o que posso
com o tempo que tenho.
quinta-feira, 7 de dezembro de 2023
sexta-feira, 1 de dezembro de 2023
Vestígios
todas as estrelas que não vimos.
Dentro aqui não cederá tão logo
a fagulha de ti neste meu fogo.
Como não me fazer tão sensível
ao que mostraste ser possível
e luminoso como o pó de ouro
a ser guardado agora a outro?
Da parte que ainda pertença
ao que chamaste de destino
de rainha dourada e menino,
tua e da vida é a sentença.
De ambos me resta a saudade,
cruel culpa, medo e ferida.
Nos dois pulsam uma verdade
e tão lindas faces da vida...
quinta-feira, 30 de novembro de 2023
High concepts
quarta-feira, 29 de novembro de 2023
Three of swords, reversed
quarta-feira, 22 de novembro de 2023
22/11/2023
A busca pela pessoa redimida
está no saber que o divino é capaz das mesmas coisas que nós,
mas consegue ser melhor que nós.
segunda-feira, 20 de novembro de 2023
sábado, 11 de novembro de 2023
Daydreams
domingo, 22 de outubro de 2023
Polaridade
segunda-feira, 16 de outubro de 2023
16/10/2023
Se buscar amadurecer
para ter relações mais saudáveis
e edificantes
e esperar o mesmo dos outros
é uma ilusão,
prefiro sonhar.
sábado, 14 de outubro de 2023
13/10/2023
sexta-feira, 13 de outubro de 2023
Wandering
sábado, 23 de setembro de 2023
quinta-feira, 21 de setembro de 2023
Wheel of fortune
domingo, 17 de setembro de 2023
Is this love?
domingo, 10 de setembro de 2023
Mandamentos
sexta-feira, 18 de agosto de 2023
Brevity
sábado, 12 de agosto de 2023
Rendição
sexta-feira, 11 de agosto de 2023
Damnation
quinta-feira, 10 de agosto de 2023
Enormidade
quarta-feira, 9 de agosto de 2023
Personas
sábado, 5 de agosto de 2023
Oásis - fanfiction
Paul voltava de sua costumeira hora sentado na areia perto da Grande Muralha, vendo a segunda lua despontar. Entrou pela porta selada do sietch Tabr, passando pelas câmaras e pelo alambique até o fundo, de certa forma feliz que apenas quem estava de guarda o reconheceu de forma silenciosa. Notou que havia prendido a respiração ao longo do caminho apenas quando avistou a silhueta de Chani virada de costas perto da cama, dobrando algumas roupas.
“Amado...” sussurrou ela com um sorriso ao guardar a última muda de roupa.
“Chani... olá...” Paul aproximou-se, beijou-a na testa e acariciou os anéis de água que pendiam dos cabelos dela. Algo no som deles tilintando lhe aqueceu o coração por um momento.
“Tudo bem? Parece cansado, Usul. Sente-se um pouco, eu faço mais café de especiaria se você quiser.” Chani indicou a cama com a cabeça, ao que Paul usou a mão para alisar a coberta e sentou-se com um suspiro e um murmúrio afirmativo.
Permaneceu em silêncio, observando-a trazer o aparato para perto dele e agachar-se para preparar o café. A fumaça perfumada do vapor era como a de uma poção, envolvendo o rosto de Chani. Aceitou a xícara com mãos trêmulas e frias que a moça acabou por segurar e preveni-lo de derramar o líquido.
Paul bebeu devagar, olhando de quando em quando para a amante por cima da borda da xícara. Deixou-a de lado para acomodar-se melhor sentado na cama. Chani tomou o gesto por um convite e postou-se de pé de frente para Paul, roçando os dedos pelo cabelo dele. Em resposta, Paul encostou a cabeça no estômago de Chani, os braços envolvendo a cintura.
Depois de algum tempo ela moveu as mãos para desfazer o traje-destilador de Paul. Ele não fez objeção e, em troca, despiu-a também, antes de deitarem-se no catre bem perto um do outro. Ficaram assim por um tempo, piscando devagar, até que Chani franziu a testa no escuro.
Era um desses dias em que Paul mais parecia preocupado e deprimido – ela conseguia notar o que ele escondia bem de Stilgar, dos guardas, soldados e principalmente Irulan. Isso de certa forma a fez lembrar do que Jessica havia dito sobre às vezes concubinas serem mais esposas de seus homens do que as mulheres com quem eles eram legalmente casados.
“Usul... Conte-me uma história. Uma do lugar onde você nasceu.” Embora gostasse de ouvi-las, às vezes, como naquela noite, Chani incitava Paul a falar apenas para tentar distraí-lo de seus pensamentos nebulosos. Mas sempre as ouvia com bastante atenção, porque Paul ter tido acesso a tanta água nunca deixava de intrigar Chani.
Paul acabou por contar sobre um dia em que Caladan foi varrido por um furacão tão forte que até mesmo o palácio Atreides pareceu tremer de medo. Havia começado de tardinha com uma tempestade que se alargou por toda a madrugada; os sons e fachos de luz vindo dos raios mantiveram o pequeno Paul desperto e sentado em sua cama. Ele olhava para os janelões de vidro com um misto de horror e fascinação que nunca antes havia experimentado.
No dia seguinte, Paul fez questão de acompanhar o senhor seu pai Duque Leto em visitas ao redor do planeta para avaliar os estragos e falar com as pessoas. É claro que Paul observava seu pai e como a população reagia a ele e à ajuda que lhes era fornecida o mais rápido possível. Em troca, gratidão era expressa com feroz lealdade à casa Atreides.
Mas naquele momento, o que mais motivava Paul a estar em uma das vilas ao sul de Caladan era explorar as áreas de natureza danificadas pela tempestade; as pedras batidas pelo mar violento, árvores partidas por raios ou entortadas pelo vento ancoradas em terra úmida e revirada… Bem como, talvez, a perspectiva de brincar por um momento com alguma criança local.
A vida de uma criança nascida de uma família nobre tendia a ser muito solitária, e mesmo Paul não conseguia se enganar de que não estava entre os incluídos. Seus dias eram ocupados por aprendizados com o pai em termos de governança, lições a nível mentat e prática Bene Gesserit desde que consegue se lembrar. Se pensasse bem a respeito, quase não sobrava tempo de interagir com os filhos das Grandes Casas - muito menos com os sem sangue azul.
Usando linguagem de batalha, pediu permissão para sua mãe para se juntar a um dos meninos vindos de uma casa próxima e caminhar até a charneca mais adiante. Jessica sinalizou por cima do braço do Duque que Paul podia brincar, desde que não fosse muito longe e, se necessário, contatasse Tufhir Hawatt para buscá-lo quando todos estivessem prestes a ir embora.
Como aquilo aconteceu há muito tempo, Paul não consegue mais se lembrar do nome do menino da charneca. Porém, algo que permaneceu em sua memória foi a de que fora tratado por ele como uma criança igual a qualquer outra, ainda que com o respeito normal esperado de quem vive em sociedade. Paul e o quase desconhecido engataram conversas sobre todo tipo de coisa, e andavam aparentemente sem destino.
Paul não esperava desenvolver uma amizade muito profunda com o menino, porém mesmo assim sentiu-se tocado pela aparente ingenuidade e genuína curiosidade sobre a vida de Paul como membro de uma Grande Casa e herdeiro ducal. Perguntou sobre o palácio, outras pessoas da corte, assim como os privilégios e restrições de alguém daquela posição. Paul tentou responder a tudo com educação e parcimônia, e, a certo ponto, por conta do jeito um pouco diferente e triste com que o menino o olhou, imaginou se não havia algo de muito solitário naquele jeito de viver.
De qualquer forma, com Paul tirando vantagem de seu treinamento como futuro duque mentat, ambos meninos compartilharam pequenas histórias, piadas que faziam a barriga doer e brincadeiras de que nenhum dos dois havia ouvido falar. Paul recordava com carinho de que tinha se divertido muito, e que tinha ficado um pouco chateado quando ouviu o companheiro dizer que tinha de voltar para casa.
Antes de ir, Paul pediu encarecidamente que o quase amigo voltasse por um outro caminho, sem passar pela comitiva do duque. Assim, não teria de contar aos outros onde Paul estava, já que estaria sozinho. A princípio o menino ficou com medo de represálias tanto do duque quanto de seus próprios pais. Porém, Paul ainda insistiu um pouco e assegurou que nada de ruim aconteceria. Se fosse o caso, assumiria qualquer responsabilidade por tudo, incluindo castigos… E assim foi.
Não que Paul tivesse intenções maliciosas naquela desobediência, mas ele sabia que desapontar o duque de vez em quando parecia ser o certo a fazer para que conhecesse coisas novas e se sentisse mais próximo dos outros. Já que estava sendo preparado para o ducado, deveria conhecer seu planeta e seu povo.
“Assim como você fez quando chegou aqui, não é?” perguntou Chani contra o peito de Paul, com um sorriso na voz.
“Exatamente, Sihaya.” sussurrou Paul, levemente surpreso com a interrupção depois de tanto tempo. “Fiquei ainda mais preocupado com isso depois que meu pai foi morto e tive de vir para o meio do deserto. Sem um povo, um líder vale muito pouco. Mesmo na época da Terra houveram conquistadores que se preocupavam com o povo a ponto de assimilá-lo e compreendê-lo antes de tomar qualquer outra atitude.”
Paul trocou alguns beijos com a amante antes de retomar a história. Sua intenção era a um só tempo demonstrar carinho para com ela e tentar não pensar tanto no jihad que se formava, lhe causando cada vez mais apreensão.
Depois que a outra criança foi embora, Paul decidiu caminhar ainda mais um pouco para apreciar a vista e outros detalhes do que estava à sua volta. Seu caminho era guiado pelos sons das aves e do vento nas árvores, assim como das fontes de água. Sem contar as mudanças na luz do sol e na sensação do terreno sob suas botas. Continuou mais um pouco até se sentir feliz com o que via.
O resultado da exploração de Paul era um lugar lindo. A maior parte era de grama lisa e bem verdinha, não muito alta, quase como se pessoas vivessem ali e a cortassem regularmente. Ficava na mesma altura da charneca de onde, anos depois, tinha visto a nave de Duncan Idaho partir para Arrakis, e também tinha certa vista para o mar vários metros abaixo. O que diferenciava um ponto do outro era a presença um pouco maior de árvores e por estarem em lados diferentes da mesma montanha.
As árvores eram um pouco esparsas e distantes umas das outras, porém possuíam copas altas, galhos compridos e troncos largos. A atmosfera era de paz e silêncio, com apenas o vento calmo e os sons da noite que se aproximava. O céu limpíssimo como se nada tivesse acontecido, mesmo depois de tantas horas seguidas de chuva. O verde da grama convidativo a uma carícia nas solas dos pés. Paul se deixou ficar e fazer parte dali, e a paz que sentiu parecia quase igual, talvez melhor, que muitos de seus treinos em meditação prana bindu - exceto pelo aspecto de sobrevivência e o transe.
Apesar da curiosidade em relação ao quê exatamente seria grama e lhe parecer absurdo que aparentemente o povo de Caladan não precisa usar trajes destiladores, Chani não disse nada e apenas meneou a cabeça, incentivando Paul a falar mais.
“Foi esse o dia em que eu decidi tornar aquele lugar uma espécie de refúgio secreto onde eu não precisava ser herdeiro do duque, nem filho de ninguém, e podia pensar, descansar. Quase como os templos e coisas do tipo que os Arrakianos vêm erguendo em nome do Muad’Dib desde que o jihad se iniciou. Só que apenas eu sabia dele… Até hoje. Agora você também sabe, Chani.”
Chani de repente se sentiu surpresa, mas ao mesmo tempo feliz e honrada de ser a pessoa com quem Usul escolhia dividir essa parte de sua vida. Também se sentia contente em imaginar que Paul possa ter tido um lugar assim para se desligar da turbulência de ser quem era, e passou a torcer para que talvez um dia o deserto pudesse dar a Paul uma experiência similar. Foi o que revelou a ele entre um beijo e outro.
“Alguma vez você já viajou para fora de Arrakis?” perguntou Paul.
“Usul sabe que não! Conheço muito pouco do meu próprio planeta fora do sietch Tabr, para falar a verdade. Meu tio Stilgar já havia me convidado para acompanhá-lo em algumas viagens… Mas sempre havia algo para fazer por aqui. O que passei a conhecer foi principalmente a serviço do Muad’Dib.”
Paul fez que sim com a cabeça e fechou os olhos por um momento para focar os pensamentos… Até que teve uma ideia que fez seu coração disparar e induzir uma risada de prazer.
“Quer saber de uma coisa? Vou viajar para Caladan. Se Sihaya quiser vir comigo, posso te mostrar tudo o que conheço. A vila da história que contei, o palácio onde nasci, as montanhas, o pasto, o mar, as árvores e, principalmente, o meu santuário especial. Você merece ver essas belezas e sentir essa paz.”
Incrédula, Chani rolou por cima de Paul no catre e estendeu o braço para alimentar uma lamparina que estava próxima.
“Está louco, Usul! E a Reverenda Madre? E os soldados? E os afazeres da corte? O Muad’Dib não pode sair fazendo essas viagens assim, de uma hora para outra, sem planejamento nem segurança.” exclamou Chani, alarmada. A expressão de Paul era leve e, ainda assim, resoluta. Isso parecia deixar Chani até mais ansiosa.
O sorriso de Paul se alargou e Chani viu uma faísca passar pelos olhos dele.
“O Muad’Dib pode. O Imperador pode. Eu sou ambos, então simplesmente vou. O conde que hoje comanda Caladan me deve favores, quero realizar reuniões com aliados próximos… Os motivos são o que menos importa, e eu não estarei lá pela minha mãe. Só importam para nós dois.”
Apesar de o império ser absurdamente vasto, nada vinha acontecendo nos planetas relevantes ultimamente que pudesse exigir a presença de Paul em apenas uma base de comando. Ele pode ter sido endeusado principalmente em Arrakis, mas essa influência havia se espalhado o bastante para que ele fosse recebido com temor e respeito em praticamente qualquer lugar.
Chani bufou, quase revirando os olhos. Paul meneou a cabeça e ergueu as sobrancelhas num certo tom de desafio.
“Está bem, está bem. Eu vou até Caladan com você, Usul. Mas temos de avisar pelo menos a Reverenda Madre Jessica, ainda que eu não goste que você pareça disposto a mentir.” disse Chani com a testa franzida.
Paul abraçou sua amante com carinho. Estava feliz por poder passar mais tempo a sós com ela. Não via a hora de mostrar a Chani o ar úmido que entra pelo nariz e o faz escorrer, o céu límpido com nuvens aqui e ali. De poder presenteá-la com roupas bonitas e de tecido térmico que seriam úteis no deserto também. De por uns dias ser apenas Paul novamente.
Quando amanheceu, Paul acordou primeiro e levantou-se para arrumar duas pequenas malas com bagagem para ele mesmo e para Chani. Pretendia que saíssem escondidos, à primeira luz do amanhecer. Ele mesmo pilotaria o ornitóptero que os levaria a Caladan, com carga leve e sem pressa. Paul colocou as malas no fundo do ornitóptero antes que Chani despertasse para o desjejum.
Chani foi acordada por beijos de Paul ao longo do pescoço. Deixou-o espalhá-los um pouco pelo ombro, clavícula e peito por um momento que pareceu durar anos. Vestiu-se e os dois foram tomar o café da manhã onde costumam se reunir os membros do sietch. Paul estava tão insistente em levantar tão cedo que Chani acabou cedendo, mesmo desconfiada de que ele estivesse tramando algo.
Aproveitando o silêncio do salão vazio e a refeição encerrada, Paul sussurrou que tinha uma surpresa e vendou os olhos dela com o lenço que carregava sobre o traje destilador. Chani começou a rir e a caçoar um pouco de Paul quando sentiu que pisava do lado de fora do sietch. Fazendo o mínimo de barulho possível, Paul carregou Chani e sentou-a no banco do ornitóptero.
“Pode abrir os olhos.” disse Paul depois de ocupar o lugar do piloto.
Chani não escondeu o espanto quando se viu dentro do ornitóptero que já estava prestes a decolar. Ainda que parte dela quisesse prostestar perante a impulsividade de Paul, nada daquilo teria muito resultado. A perspectiva de voar para longe de casa e conhecer de onde Usul havia vindo para ela venceu. Chani apenas deu de ombros com um sorriso, ansiosa para saber o que vinha pela frente.
Paul e Chani conversaram sobre assuntos de Estado ao longo do caminho, mas não apenas isso. Paul apontava e explicava sobre aquilo que conhecia conforme chegavam a outros planetas. A empolgação e as perguntas dela tiravam-lhe um grande peso do coração.
Quando finalmente chegaram a Caladan, Chani não parecia acreditar na paisagem que via pelas janelas e para-brisa.
“Isso tudo é água, Usul? E essas coisas brancas no céu, vêm de onde?”
“Esta água grande e revolta vem do mar, Sihaya.” E assim Paul explicou a ela tudo de que conseguia se lembrar sobre os oceanos, braços de água doce e a formação e função das nuvens.
“Então onde estão os criadores que fazem a chuva acontecer? Estão debaixo daquela areia branca?” Chani achou estranhíssimo e ao mesmo tempo bonito que, em Caladan, assim como na antiga Terra e em outros lugares, as pessoas sabiam que outros deuses, com o auxílio do sol (e às vezes o sol como uma divindade em si mesmo) era quem se encarregava de trazer chuva nas horas certas.
Quando Paul estacionou o ornitóptero no hangar do palácio, Chani achou estranho ver apenas alguns soldados do exército do conde responsável, bem como os funcionários que mantinham tudo funcionando. O conde e o resto da corte não vieram cumprimentá-los, nem outros dignitários de planetas próximos. Porém, era tudo intencional. Paul havia combinado com o conde de esvaziar a corte e reservar o palácio para uso exclusivo do imperador e de sua amante. O preço que o conde havia de cobrar era algo que Paul negociaria cuidadosamente depois que voltasse.
Chani não conseguiu esconder o espanto ao se ver andando sobre pedra lisa e espelhada, sentindo um ar muito mais fresco e úmido lhe bater nos cabelos. Paul instruiu algumas empregadas a ajudarem Chani a trocar de roupa por algo mais conveniente. A princípio Chani sentiu certa desconfiança daquelas pessoas que não pertenciam a nenhum sietch. Também relutou um pouco a tirar o traje destilador, por estar tão acostumada com ele que quase lhe parecia uma segunda pele. Porém logo relaxou ao perceber que as mulheres eram agradáveis e lhe tratavam com respeito.
“Este vestido lhe cai muito bem, Lady Chani.” disse uma das mulheres enquanto ajeitava os cabelos dela sobre os ombros, de um loiro que contrastava com o negro do tecido, característico da casa Atreides.
Chani sorriu ao levantar-se para ver o caimento do vestido e sorriu tanto para si mesma como em agradecimento à mulher. Por mais que sentisse certa pena de Irulan pelo modo como Paul parecia desprezá-la, por um momento lhe ocorreu que havia passado a pertencer à família de Paul, assim como ele à dela, desde o momento em que se conheceram. Tudo o que Paul queria era que Chani se sentisse acolhida. Essa conclusão fez com que ela de repente ficasse ainda mais orgulhosa de ser quem era.
Uma bebida e petiscos foram servidos no salão onde acontecem os banquetes e Paul contou sobre reuniões que entreouviu desde muito pequeno. Até que, na qualidade de herdeiro do duque, um dia foi autorizado a participar e dar opiniões. Pôde acompanhar de perto as dinâmicas e sutilezas, memorizar nomes e identificar quem era confiável - especialmente durante o processo de estabelecimento em Duna.
“Acho que consigo imaginar a situação. Todos esses homens sentados aqui em volta, discutindo um futuro que logo seria comandado pelo Muad’Dib… E de modo mais amplo do que imaginavam.” Paul tentou disfarçar uma nesga de tensão com um sorriso sem dentes. Permitiu-se relaxar e apreciar o momento quando ela lhe beijou a mão num gesto de afeto e devoção que ele sabia se referir a mais de uma coisa.
Paul e Chani andaram pelo castelo e também pela estufa simuladora de como a vida era na antiga Terra. Chani gostou tanto que começou a pensar em como poderia reproduzir alguns daqueles aspectos em seu laboratório debaixo da areia. Também gostou de ouvir sobre as flores que brotam na primavera e das abelhas que acabavam por polinizar o campo, enchendo-o de plantinhas selvagens.
“Tome cuidado com as abelhas do mesmo modo como você faz com os pássaros do deserto.” alertou Paul. Chani fez que sim de modo solene.
“Uma cesta…” disse Chani com uma expressão intrigada no rosto quando viu Paul emergir da grande cozinha carregando uma cesta no braço e um largo tecido retangular, um pouco grosso, jogado sobre o ombro.
“Uma surpresa, Sihaya.” Paul pegou Chani pela mão e foi conduzindo-a até a porta .principal do palácio, dobrando à esquerda e depois caminhando por uma trilha específica que parecia não ter fim. Ela procurou assimilar a paisagem conforme andavam, e a vista parecia vagamente familiar.
“Isso nos pés é… grama! Pinica como areia. Deveríamos colocar as botas e o traje.”
“Nada disso é preciso. O suor do corpo se dissipa no ar e volta para o céu, nas nuvens. A grama pinica um pouco, mas também refresca e massageia. Assim como a areia fofa das beiras das praias traz um conforto semelhante.”
Paul olhou em volta e encontrou uma bela árvore de tronco largo e copa alta. Espalhou a toalha que retirou da cesta a alguns palmos da raiz e descansou a cesta sobre o pano, deixando o outro pano próximo. Chani entendeu a deixa de sentar sobre a toalha depois de ver Paul fazer o mesmo. Acabou por deixar-se descansar sobre o peito e o ombro dele, como fazem em Arrakis, observando a areia em dunas afastadas.
“Aqui é bonito, Usul. Gosto de estar aqui… Com você.”
“Eu também acho lindo. Te trouxe aqui porque queria te mostrar o meu lugar preferido quando mais novo. Este é o lugar que mencionei naquela história.”
“Assim como eu te mostrei a minha duna preferida…”
“Verdade. Tinha esquecido do quanto era bom estar aqui, com o vento fresco na pele…” Paul roçou de leve um dedo sobre a clavícula de Chani, quase acompanhando a direção do vento que soprava. Ela estremeceu um pouco e ambos sorriram satisfeitos.
Paul havia providenciado um bom vinho e sanduíches para comerem à sombra da árvore, sem pressa de voltarem para casa. Chani achou bem-vindo o torpor, muito por ser similar ao da cerimônia da morte do verme e aos beijos de Paul. A certo ponto os sanduíches acabaram, a garrafa de vinho chegou à metade e ambos foram ficando cada vez mais perto um do outro.
Apesar de o vento estar ficando frio com o passar do tempo (o bastante para espantar os insetos), quanto mais se beijavam, menos necessidade sentiam de permanecerem vestidos. Acabaram por fazer amor devagarzinho, com muito afeto e quase nenhum som, mesmo sendo as únicas pessoas naquele pedaço de campo. A não ser por suas respirações, apenas as árvores cantavam como se fossem os criadores debaixo da areia.
“Não há campo mais belo que este…” sussurrou Paul ao ouvido de Chani. Ela o afastou por um momento, interrompendo o beijo. Ao olhar nos olhos dele e notar uma leve diferença em seu tom de voz, revirou os olhos.
“Você é impossível, Usul… É por isso que você diz que sou um campo a ser cultivado e coisa do tipo?” Ele fez um beiço de exagerada indignação, como uma criança ofendida, e ambos voltaram a se abraçar e acariciar. Ela não estava realmente zangada.
“Um dia este foi o meu abrigo, o meu lugar preferido, onde eu podia ficar em paz com meus pensamentos e ser apenas uma criança. E eu não deixo de amá-lo.” As palavras escorriam pelo pescoço de Chani. “Mas hoje a minha casa é Arrakis e meu abrigo é aqui, nos seus braços, Sihaya.”
Chani começou a ronronar, puxando Paul para o mais próximo de si possível. Ele pareceu entender, porque Chani teve a sensação de que Paul estava em todos os lugares, sem nunca se separar. Dali a um tempo ambos sentiram quase como se eram uma só pessoa, ainda que apenas por um instante… Mas momentos e impressões assim eram aquilo pelo qual Chani mais ansiava e dos quais mais sentia falta quando ele estava longe.
“Usul trouxe a coberta… Mas o que mais me aquece é o corpo dele.”
“Chani é minha duna, meu anjo, minha fonte de água… Meu solo úmido.”
Eles recolheram os restos da refeição para dentro da toalha depois de descansar um mipouco, vestiram-se e voltaram para o palácio. Após algumas horas, a noite caiu e resolveram ir dormir no quarto de Paul dos tempos de criança. Paul seguiu contando sobre os duques de antigamente, sobre como seu pai Leto era quando estava no comando, seguindo os passos do pai dele também.
Paul tinha certo contato com os filhos das outras Grandes Casas por conta da aliança, mas não era tão frequente e natural como ele gostaria. Não dava para chamar aquilo de amizade; no fundo tudo era um tanto formal, com certo distanciamento, e sentia falta de mais companhias. Por isso Paul acabava passando a maior parte do tempo estudando e treinando com Lady Jessica e Gurney Halleck.
Contou também sobre o que havia aprendido sobre a guerra com as máquinas que originou o Império… E como era bom lavar o rosto com água fria depois de um dia muito quente. Paul resolveu vestir um pijama antes de se deitarem em definitivo, e também passou pela cozinha para buscar um copo de água e encher a jarra da mesa de cabeceira, que serviria para encher a bacia do conjunto na manhã seguinte.
Chani observava em silêncio o reflexo da água no rosto de Paul e deu graças a Shai-hulud. Ele bebeu um gole antes de deitar-se e ofereceu a ela também. A serenidade naqueles olhos fez com que ela aceitasse, mas bebesse bem devagar como ele, pela falta de costume.
“Será que Usul me amaria se eu morasse com ele em Caladan e acabasse gorda de água como ele era antigamente?”
“Claro que sim, Sihaya. Pelo resto da vida, Sihaya sabe.”
Paul percebeu que Chani ainda olhava dele para o copo e do copo para ele. Acabou revelando que beber um pouco de água antes de dormir costumava lhe dar um sono mais tranquilo e ajudava a adormecer outra vez depois dos pesadelos.
“A água consegue fazer isso, Usul?” De repente o presente de Shai-hulud ficou ainda mais valioso para Chani, e Paul de certa forma a amava ainda mais por isso.
“Costumava funcionar para mim, Sihaya. Mas… Eu não precisava dela quando sonhava com você. Você sempre foi a melhor parte desses sonhos.” Paul puxou Chani pela cintura até seus corpos se moldarem, e ambos se deixaram relaxar até pegarem no sono.
“Ainda que o Muad’Dib nunca houvesse existido e você fosse apenas Usul… Eu o amaria mesmo assim.” Disse Chani pouco antes de fechar os olhos. Quão forte e sábia era Sihaya! Uma lágrima tocou o travesseiro de Paul, e ele adormeceu.
05/08/2023
segunda-feira, 31 de julho de 2023
Spellbound
domingo, 30 de julho de 2023
Fortaleza
sexta-feira, 28 de julho de 2023
Bitterer end
sábado, 22 de julho de 2023
Starvation
terça-feira, 11 de julho de 2023
Trabalhos e dias
Somente o tempo dirá
do que não é mais que fachada
de uma casca tão mais dura
do que a verdadeira figura
que sabe não saber de nada.
O tempo dirá se há
carne sob a blusa engomada,
se a sombra condiz com a candura
ou só sente nojo de ser tão pura
e dos anos que não foi amada.
O tempo abrirá com a pá
para aquela que foi, cova apropriada
do tamanho de sua ossatura
e, para o que é e será em criatura,
o tamanho da lenda a ser contada.
11/07/2023
sábado, 1 de julho de 2023
30/06/2023
A arte tem seu tempo,
mas temos que fazer o possível para dispôr bem dele,
estar prontos para a oportunidade e até mesmo facilitar
a chegada dessa oportunidade...
Um parágrafo de cada vez.
sexta-feira, 30 de junho de 2023
Resposta curta
Senti o que me destes,
mas não a ti.
Estive à tua mercê, mas não em teus braços
enquanto te afastavas, de certa forma,
pensando em consequências
às vezes tão maiores que as causas
deixando pelo caminho
apenas frações de quem és,
e se desfazem sem saber da minha ânsia.
Não foi o estares perto, mas tão perto
que teu amor e saudade
se fazem saber no teu calor, teu peso e respiração
e até no roçar da tua pele,
na pressão dos teus lábios.
Não foi por estares aqui
e me amares tanto
que por um momento
as mãos que me despem,
os braços que se moldam
e os beijos que cobrem terreno
se tornam o único idioma adequado
ou que se é capaz de entender.
Não foi por eu me sentir tão querida
nem pela satisfação serena
da passagem que se abre
para acolher o Eu mais inteiro e brutal
e, ainda assim, não ser o bastante.
Mas, sim, eu senti.
30/06/2023
domingo, 18 de junho de 2023
Pearls
I
So long as I do what I can,
it will add up to the whole in the end.
II
Embrace your shadow however you see fit,
thrive in your own chaos and become more complete.
III
Some pills may indeed be hard to swallow,
but they aim to cure you from being hollow.
IV
No love, however brief, is wasted,
no matter how bitter the tears have tasted.
V
Not everything is meant to be deep,
yet still it saves you from Hell's worst pit.
IV
Face the faces of life for their real height and size,
so that she herself can make you oh, so wise.
18/06/2023
sábado, 27 de maio de 2023
Codinome Sarah
De que adianta ser princesa
se não pareço boa o bastante
para tudo o que ficou tão distante
e o tempo ainda me vê como uma presa?
De que adianta ser princesa
quando o mundo me escondeu sua face
como se pudesse, sempre num passe
de mágica, da verdade me deixar ilesa?
De nada me adianta a luz e a realeza
se o melhor de mim permanece quase que perdido
em meio a tanto medo e incerteza
(que nem sempre são meus) mas afastado do castelo,
um melhor que é merecedor de ser visto e vivido
e ainda só posso imaginar, seja feio ou belo.
27/05/2023
terça-feira, 4 de abril de 2023
Cheia de si
No fim das contas
nunca serei todo
e sempre serei só,
de algum modo.
As pessoas vão ir e vir -
podem ficar,
podem até me amar,
e tudo bem.
Se eu também
tiver a mim
para segurar as pontas
e atar o nó,
isso não vai doer tanto assim.
E é assim que tem que ser -
eu me preencher
do que é meu,
me cuidar
e amar este eu.
04/04/2023
quarta-feira, 29 de março de 2023
terça-feira, 28 de março de 2023
28/03/2023
Aceitar que envelheceu
é aprender a identificar onde não mais nos encaixamos
e o que não nos pertence
e focar no que faz sentido.
segunda-feira, 27 de março de 2023
27/03/2023
Ter deficiência é se treinar para ser assim,
independente nas pequenas coisas.
E ser independente de verdade,
como um todo, me parece fazer as coisas necessárias
no nosso tempo.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2023
Os paradoxos da consistência
Faz tempo que não posto por aqui, não é verdade? Faz um tempo que não apareço no Instagram também, mesmo tendo ambos pelo bem do meu trabalho.
Também é verdade que tenho problemas de consistência em continuar e terminar aquilo que começo. É só olhar para os cursos que ainda estão pendentes e o frenesi em que costumava produzir conteúdo nas redes, até parar.
Isso se aplica a várias áreas da minha vida, e não adianta eu fingir que não é assim há vários anos. O meu relógio interno não funciona do mesmo jeito que o que mede o tempo dos dias, meses e anos. Chega uma hora em que eu perco o foco, a energia ou os dois.
Mas o outro lado da minha moeda quando se trata do uso das redes como marketing pessoal é que, sendo bem sincera, isso me cansa. Já dei entrevistas, uso meu blog como arquivo da minha escrita e tudo mais, mas aparecer não me apetece.
Sendo escritora, meu trabalho é escrever, acima de qualquer coisa. E é pela escrita que mais consigo me expressar. Não me agrada enxergar a internet como um lugar onde eu devo estar presente toda hora como uma obrigação e tentar parecer legal e relevante para que a minha escrita possa atingir mais pessoas.
A consistência na internet leva a sucesso a longo prazo? Sim. Muitos autores novos hoje em dia são alcançados por leitores e editoras maravilhosas porque se arriscam a postar seus textos? Com certeza.
Autores independentes merecem perder o tanto de tempo que perdem tentando se vender sozinhos? Não. As editoras devem deixar quase todo o aspecto da divulgação de livros na mão do autor? Mil vezes não!
Cada vez mais invejo escritores que conseguiam vender sem ter que dar muitas entrevistas ou mesmo nenhuma. Quando a escrita dessas pessoas importava mais do que tudo. Outros além de mim têm pavor de serem obrigados a ter presença digital só porque a editora mandou.
Vendo esse tipo de relato, olhando para a minha própria realidade, para a função primária das mídias sociais e do marketing como campo de atuação, a minha conclusão outra vez é que as minhas contas preferidas e que me dão mais retorno são as que uso apenas por diversão, sem me preocupar com frequência e muito menos com se o meu conteúdo vai ter "engajamento".
Talvez a chave seja essa para todas darem certo. Postar o que acho certo e o que gosto, quando me der vontade, e em cada uma fazer isso do jeito que elas permitirem e que fizer sentido para mim. O que vier é lucro.
14/02/2023
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023
Your gift
You deserve a woman who treats
Your lap like a throne
your chest like a pillow
your mouth like a fountain
and your eyes like a mirror.
A woman whose heart beats
Like you will always be the only one -
she brings you joy more than sorrow
as you dance in the sunny rain...
Like you're her favourite song to hear.
A woman who comes over and meets
What escaped to the eyes of some
who lives and just waits for tomorrow
taking your laughter and your pain
as her duty to life, not just a favour.
01/02/2023
08/12/2024
O excesso de medo não nos faz mais sábios. Ele nos afasta daquilo que é para ser nosso e que, no fundo, sabemos que queremos
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