Enquanto conversava sentada com a jovem duquesa e outras meninas nobres que eram suas amigas e parentes e beliscava um aperitivo aqui e ali, Bianca observava com discrição a movimentação de servos com comida e bebida, as famílias e o bando de rapazes estrangeiros que perambulavam pelo salão e vez ou outra arriscavam lançar-lhe um olhar ou sorriso em troca de futuro favoritismo, já que no dia seguinte a princesa deveria anunciar qual deles julgava digno de sua mão em casamento.
As moças fofocavam baixinho sobre aparentes virtudes e defeitos de alguns deles, mas o que mais fazia Dona Bianca ter vontade de rir era ver a cara contrafeita do rei de ter de qualquer forma casar sua filha. Não que a rainha se comportasse de forma diferente; a questão era que o pai de Bianca não conseguia disfarçar o desagrado de jeito nenhum, mesmo tendo ele próprio planejado toda a situação.
Quando a hora do chá se aproximou e todos começaram a se reunir para sentarem-se à mesa e comerem algo mais substancioso, Bianca olhou na direção do portão principal do castelo e se obrigou a esconder o sorriso atrás de um leque ao perceber Andrea adentrando o salão misturado com os outros pretendentes outra vez. Até agora ele só não havia sido enxotado para fora por insistência de Bianca, argumentando que seria mais vergonhoso para a realeza fazer estardalhaço num evento tão cheio de gente do que se importar com um simples rapaz tentando ser gentil diante das comemorações do aniversário e futuro noivado de Sua Alteza; ainda mais com tantos súditos já dentro do palácio por servirem a corte. No entanto, já não sabia se isso funcionaria de novo.
Andrea caminhava com a habitual mistura de timidez sob controle e certeza do que vinha fazer. Tudo isso em meio a mais um burburinho de reclamações contra os guardas que haviam permitido que ele entrasse.
O que fez com que a princesa sentisse que as intenções de Andrea estavam cada vez mais sérias era, em vez de roupas comuns que lembravam as dos servos da estrebaria e camponeses em geral que o viu usando nas outras vezes em que se encontraram agora ele usava uma boa camisa branca, um lindo casaco comprido de veludo preto, apertado na cintura por um cinto quase tão largo quanto um espartilho. Calças do mesmo tecido enfiadas dentro do cano longo do que claramente eram botas bem polidas e novas em folha. Estava vestido como um nobre, como um príncipe.
Cabeças femininas viraram-se para ele, muitas das mesmas que de forma mais ou menos velada sussurraram termos depreciativos pelas costas dele das outras vezes. Uma prima de Bianca e grande amiga da princesa, sobrinha do rei e casada com um sargento do exército real, cutucou-a com a cantoneira do livro que estava lendo e sorriu de forma travessa e espantada. Todas repararam que naquele momento havia algo de diferente nele, uma aura um tanto majestosa em suas maneiras enquanto abria caminho com relativa facilidade em direção a onde a família real estava, ainda que seus olhos já se virassem de soslaio para Bianca. Causou barulho quando, em vez de dirigir-se primeiro ao rei e à rainha, como havia feito antes, hesitou por um milésimo de segundo e deu três passos decisivos para um lado, ficando de frente para a princesa e olhando-a direta e longamente sem dizer absolutamente nada.
- Quem é este homem? De onde ele vem? Não é ele aquele que insiste vez após vez em entregar presentes a Sua Alteza, ainda que ela os recuse? De que casa real provens, meu jovem? Como ousa dirigir-se à princesa sem anunciar-se e, mais ainda, sem prestar respeitos aos pais dela? É o senhor o cão atrevido que comparece sem convite à corte todo santo dia? - esbravejou um conde.
Andrea permaneceu impassível e imóvel diante das vozes exaltadas, ainda que um pouco corado quando olhava nos olhos ora de Bianca, ora das moças que a acompanhavam. Por cima da bainha do leque, Bianca viu a leal serva que a criou agarrar com nervosismo os lados do próprio vestido.
- Vossa Alteza o conhece, Dona Bianca? Que diabos… - reclamou um dos pretendentes.
- Nunca vi este homem antes de ele decidir frequentar a corte. - afirmou Bianca da forma mais neutra possível. No entanto, o que realmente queria era gritar algo do tipo “Meu Dever, minha Vida e meu Reino pelo teu sorriso, meu Amor”.
- Se é um cão… É um de caça. - sussurrou a jovem duquesa por entre risinhos.
- Eu também nunca o vi antes… Deve ser um retardatário e um bem parecido com o plebeu de que estão falando, se não for a mesma pessoa. De onde ele será? - o tom da prima de Bianca tinha uma ponta de provocação que a outra procurou ignorar.
“De uma república ao norte, na verdade. Porém considerando minha localização atual, do fundo do bosque e trabalho no mercado durante o dia. Muito obrigado, Vossa Graça”, foi o que Andrea pensou para consigo mesmo.
O tumulto ameaçou sair de controle quando o rei levantou-se de onde estava e ordenou que todos se calassem com um vozeirão que ecoou pelo salão. Logo em seguida, chamou guardas para que levassem Andrea embora. Quando os guardas estavam a meio-caminho de fazê-lo, a rainha pegou no braço do marido e pediu que ele fosse mais razoável, menos brusco, já que o rapaz poderia passar a informação às massas e até gente de outros lugares de que a população em geral não era bem recebida na corte. O rei passou a discutir com a esposa, o que causou hesitação nos guardas quanto a levar ou não a ordem adiante. Um ou dois dos pretendentes chegaram a levar as mãos ao cabo de suas espadas, até que a própria Bianca interveio ao fechar o leque e gesticular com ele.
- Guardas! Não toquem nele. É uma ordem de sua futura rainha. Não se esqueçam que obedecem a mim também enquanto eu estiver aqui. - logo depois, dirigiu-se aos príncipes que ameaçavam matar Andrea. - Quanto aos senhores, Altezas, saibam que perderão muito da minha simpatia, se não toda, se vossas espadas saírem da bainha e se envolverem em questões que não condizem com vossos Estados. Então, sugiro que, por gentileza, desistam da empreitada.
Letícia Bolzon Silva; graduada em Relações Internacionais pelo Centro Universitário UNINTER e Especialista em Tradução de Inglês pela Universidade Estácio de Sá. Escritora de prosa e poesia, redatora e tradutora freelancer.
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Não precisa se explicar, só não cala essa carícia no ar, queimadura doce de bala... Deixemos para depois os erros e acertos dos heróis...
Muitíssimo bem escrito! Já publicou isso num livro?
ResponderExcluirGK
É só um excerto, como todos os outros. Não está pronto ainda. Não dou garantia que nenhum excerto esteja no rascunho final. Talvez publique, talvez não. Mas muito obrigada.
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