Às vezes penso em mim mesma como um vidro ou vaso que veio de fábrica com uma rachadura de alto a baixo. Ela era fininha no começo, só possível notar se chegasse bem perto (e quase ninguém chegava). Com o tempo e manuseio, a tal rachadura foi aumentando, até chegar um ponto em que o vaso simplesmente se partiu em dois. As duas metades foram remendadas, mas é claro que o objeto nunca mais foi o mesmo.
O vaso nunca mais foi o mesmo não só porque estava remendado, mas porque ele era derrubado no chão com cada vez mais frequência. Ele parecia ser valioso demais para ter os pedaços simplesmente jogados no lixo, mas com o tempo ele percebeu que se quebrava em pedacinhos cada vez menores, que paradoxalmente ninguém notava ou tentava juntar.
E se não quisesse ser jogado no lixo em definitivo (vá saber, até porque as pessoas às vezes se cortam em seus cacos afiados), o vaso entendeu que teria que juntar todas essas partes sozinho. Conviver com as próprias rachaduras, porque elas sempre estariam lá. Ter esperança de que ainda o achassem bom o bastante. Digno de permanecer na estante mais bonita da sala.
Letícia Bolzon Silva
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