Ela mal podia esperar para contar as boas novas a ele. Anos atrás, havia feito uma promessa de que, independentemente de qualquer coisa, se um dia ela conseguisse tal façanha, ele seria a primeira pessoa a saber. Assim que soube que seu amigo estava na cidade, ambos marcaram um encontro para poderem conversar melhor e aliviar a saudade.
Ela não sabia como havia conseguido manter o mistério até aquele momento, muito menos convencer seus pais a fazer tudo com relação àquilo à sua própria maneira. Mas o importante era que ela teve paciência e perseverança e alcançou o objetivo.
Fazendo o possível para fingir que as coisas ainda eram as mesmas para manter o espírito, embora seu amigo ainda não houvesse chegado, ela sentou-se novamente na cadeira de rodas e usou o controle do motor para escolher uma mesa na cafeteria. Quando o garçom lhe perguntou se desejava alguma coisa, a mulher pediu pelo cardápio.
Enquanto olhava para frente sem prestar atenção em nada em particular, tomou um susto ao sentir dedos taparem seus olhos quando ela tirara os óculos de grau para coçar os cílios e um “Oi” grave e ao mesmo tempo suave lhe chegar aos ouvidos. Seu rosto se curvou num sorriso de maneira quase involuntária.
- Meu querido.
- Que bom te ver! – disse ele depois de beijá-la no rosto e passar um braço por suas costas. – Demorei, não é? Sinto muito.
- Na verdade, não. Acabei de chegar. – respondeu a mulher, tirando fios de cabelo de perto dos olhos e tentando focar nos dele. – Também senti sua falta.
- Então, o que anda fazendo? – perguntou ele.
- Ah, o de sempre. Trabalhando. De vez em quando, escrevo alguma coisa. E o senhor? – ambos riram, as linhas de expressão que aos poucos se transformavam em rugas descendo pelos cantos da boca.
- Eu também. Até tenho que te mostrar depois, um quadro novo que terminei essa semana.
- Ah, que ótimo, vou adorar ver. – após uma pausa, ela não pôde mais resistir. – Tenho que te contar uma novidade. Mas preciso que primeiro confie em mim e feche os olhos, é surpresa. Certo?
- Surpresa? Ah, meu Deus. – ele exclamou abanando a cabeça. Por fim, fechou os olhos.
- Mantenha fechados e espere um pouquinho. Nada de espiar!
- Está bem!
Ela manobrou a cadeira de modo que ficasse a certa distância da mesa e parou-a. Tentando fazer o mínimo de barulho possível, ela levantou-se e caminhou vagarosamente até ele, até parar em seu lado esquerdo, já que, como de costume, ele estava espalhado na cadeira. Estendeu a mão e tocou o rosto dele.
- Pode abrir. – sussurrou.
Quando abertos, ganharam aquele brilho diferente de que ela tanto gostava. Talvez a adrenalina o tenha deixado paralisado ou algo assim, pois tudo o que ele conseguiu fazer naquele instante foi enlaçá-la pela cintura ainda sentado.
- Não acredito! Como assim? Quando foi isso?
- Faz uns dois dias já. Na verdade estou usando bengala, mas como não nos vemos há muito tempo, quis te enganar hehehe. Te prometi que te contaria primeiro e aqui estou eu.
- Mas... Isso é maravilhoso, sis!* E conseguiu não me contar nada... Deixe-me vê-la. – ele se levantou de modo a ficar de frente para ela.
- É, sim. Como eu desejei ver as coisas de cima, não me sentir menor do que ninguém. – só o fato de o rosto dele estar tão perto do dela sem que ele precisasse ficar sentado a fazia ter vontade de chorar.
- Mas você é você. Só isso. – ele apertou-a contra o peito. – Ah, como é bom te abraçar assim.
- Eu te disse que se conseguisse, seria ainda melhor. Eu caberia aqui, mais perto do teu coração.
- É verdade. Você é tão pequenina, mas eu gosto disso. Mas me diga uma coisa: você consegue correr e andar completamente sozinha?
- Correr, não, e nem sei se poderei. Mas consigo andar sozinha, a bengala me ajuda. Quando vou percorrer grandes distâncias, gosto de levar alguém comigo, para o caso de eu perder o equilíbrio. Todavia consigo me virar bem, de modo geral.
- Só isso já é espetacular. Eu sempre acreditei que você pudesse. E mesmo se nunca conseguisse, nada mudaria. Não me incomodo de me abaixar, desde que consiga te dar um beijo e te abraçar.
- Agora vou poder andar ao teu lado, e não à tua frente. – sorriu ela. – E você não vai mais ter medo de me derrubar.
- Mas não se esqueça de prestar atenção na calçada, sabe como é.
- Claro. Agora lembrei de uma vez em que você me disse que queria dançar comigo, um dia.
- Não me lembro disso, mas claro que sim! Se você não sabe, eu te ensino. Dança comigo, querida? – ele perguntou, tomando distância, curvando-se de leve e estendendo a mão.
- Aceito. Avise se eu pisar nos seus pés. – ele fez que sim; ela tomou a mão dele e se deixou rodopiar. Automaticamente ambos entraram em posição de valsa e começaram a dançar no meio da praça. Em outras circunstâncias ela estaria com vergonha em sentir os olhares das pessoas em si, mas naquele momento isso foi a última coisa que lhe passou pela cabeça.
*diminutivo carinhoso em inglês; algo como "maninha"
Letícia Bolzon Silva; graduada em Relações Internacionais pelo Centro Universitário UNINTER e Especialista em Tradução de Inglês pela Universidade Estácio de Sá. Escritora de prosa e poesia, redatora e tradutora freelancer.
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