segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Sonho e coragem

Sarah estava com medo de que a pegassem fugindo de casa escondido, a despeito do sono e fome que sentia. Ela queria e precisava fugir de lá de alguma forma e por isso aproveitou a casa vazia e a meia-noite para fazê-lo. Enquanto arrumava suas coisas e o dinheiro que guardava em uma caixa, escreveu um bilhete de despedida, na esperança de que fosse lido.

Pai e mãe
Perdão pelo que vou fazer agora; não gostaria que tudo terminasse assim. Mas está na hora de eu escolher meu próprio caminho, e sozinha. Já faz muito tempo que eu planejava, mas agora vocês podem ver que eu cumpri a velha promessa que fiz quando tinha 15 anos. Estou indo embora daqui, por enquanto sem previsão de volta.
Vou usar o dinheiro que tenho aqui e o da minha poupança pra viajar pra longe; pra Londres, como é o meu sonho. Não se preocupem comigo, eu estou bem, isso vai me fazer bem. Eu posso perfeitamente trabalhar e ter meu sustento, pra unir o útil ao agradável.
Não fiquem chateados comigo; eu só preciso de um pouco de paz e um tempo pra mim. Espero que me entendam e não me procurem. Sei que tudo está acontecendo rápido demais, mas acreditem, é melhor assim. Aqui não é meu lar. Vou ficar na casa daquela minha amiga e viajar com ela.
Mostrem essa carta pras minhas amigas, e, por favor, cuidem bem do Zeus pra mim. Depois eu mando buscar ele, e desculpem por qualquer coisa. Enquanto eu não volto, não mexam em nada do que é meu aqui.
Sarah

Foi dolorido e estranho escrever aquela carta, porém necessário. Sarah não queria que seus pais fossem atrás dela; isso poderia provocar mais brigas que não dariam em nada, e eles não a deixariam fazer isso assim, de repente. Mas nem foi tão de repente assim, pois há algum tempo ela sonhava em fazer esta viagem com uma colega de curso.
Sarah olhou uma última vez para seu quarto e suas coisas, e rumou para a porta de entrada daquela casa que ela sabia, do fundo da alma, não ser sua casa de verdade. A verdadeira casa de Sarah sempre foi o mundo, pelo menos ela pensava assim. Pelo menos agora isso poderia se concretizar.
Ela fechou a porta atrás de si e caminhou com certa pressa à frente, sem olhar pra trás. Porque é preciso muita coragem para pensar mais em si mesma e no presente, sem ficar chafurdando no passado. Cruzando no jardim antes de chegar ao portão, pegou uma rosa, sua flor favorita. Quando murchasse, guardaria dentro de um de seus livros.
- Disso eu não abro mão. – ela disse. – Ai! – ela se espetou num espinho.
Sarah ficou pensando no que aquilo significava, e um pouco de medo tomou conta de sua mente confusa.
- Tenho que ter coragem, é isso. Sei que vou encontrar meu lugar no mundo e saber quem eu sou.
Ela começou a andar devagar na calçada depois de definitivamente abandonar sua casa, sempre evitando as partes mais escuras e os becos, por serem mais perigosos de madrugada. Parou num ponto de ônibus que a levasse pra perto da casa de sua colega, pra assim conversarem sobre o que aconteceria depois.
Muitas pessoas passavam na rua, e Sarah estava curiosa sobre onde elas estariam indo. Talvez para seus lares, depois de muitas horas de trabalho. Coisa que, na verdade, ela nunca teve. 1 hora da manhã, e nada de um ônibus. Sacou seu diário, sua caneta e um tinteiro, pra tentar se distrair escrevendo bobagens. Como se isso fosse atrair um ônibus.
Eram duas e meia da manhã, e ela acabou adormecendo enquanto esperava. Uma senhora muito amável a cutucou, com expressão preocupada.
- Moça, está tudo bem? Precisa de alguma coisa?
- Ah sim, tudo bem, obrigada. – respondeu Sarah, bocejando e limpando os óculos. – Acho que adormeci, porque faz muito tempo que estou esperando um ônibus. Não se preocupe.
- Certo. Posso sentar aqui e esperar também? Acabei de voltar de viagem. – perguntou a mulher.
- Claro, o banco é público. – disse Sarah sem muita emoção.
Durante mais ou menos meia hora elas conversaram sobre coisas banais e nem viram o tempo passar. A mulher foi embora sozinha, depois de avistar um carro preto do outro lado da rua. Despediram-se e Sarah seguiu ali esperando e pensando numa coisa que a mulher lhe dissera:
- Sarah, nunca deixe de buscar por aquilo que você quer, porque nada nesse mundo vai te impedir. Você tem o direito de descobrir qual é seu lugar e quem você é, não importa onde seja.
Era justamente isso que ela estava precisando, e sentiu que se lembraria disso pra sempre. Ficou espantada com o fato de uma desconhecida acabar lhe entendendo melhor do que ela mesma, sem que tivesse contado nada sobre sua vida. Talvez a mulher tenha visto a tristeza em seus olhos. Sarah desejava encontrar mais pessoas assim em seu caminho.
Três horas da manhã e nada do maldito ônibus aparecer. Ela estava com fome e frio, apesar de ser uma noite de verão. Talvez porque sua pressão tenha baixado muito… Sarah pegou seu celular para mandar uma mensagem para sua colega e, quando o abriu, haviam várias chamadas não atendidas do número de sua mãe.
- Coitada – ela suspirou -, mas ela precisa entender que por enquanto não vou voltar, e que o mundo é minha casa agora. Vou ignorar as próximas ligações também.
Ela buscou o número da moça e pensou em mandar mensagem, mas percebeu que com certeza ela só seria vista de manhã e por isso resolveu ligar apesar de ser madrugada.
- Vamos Luana, atende! – ela falou em direção ao bocal.
- HMM… Quem é? – perguntou uma voz sonolenta do outro lado.
- Luana, é a Sarah. Desculpa ligar a essa hora, mas eu decidi sair de casa pra viajar contigo e não tenho pra onde ir. Providenciei meu visto britânico semana passada mesmo. Tem como eu ficar na tua casa por enquanto e a gente resolver isso?
- Bom você me pegou de surpresa aqui, mas eu não vou te deixar aí sozinha. Vou falar com a minha irmã e te ligo de volta… Enquanto isso, tenta dar um jeito de vir aqui.
- Que bom! Obrigada mesmo. Olha, não passa nenhum ônibus por aqui, acho que vou ter que chamar um táxi… – disse Sarah com sarcasmo.
- É melhor. – houve uma pausa – Bom, vou falar com ela, boa sorte.
- Thank you for everything, sweetie. – agradeceu ela em inglês.
- You are very welcome! – respondeu Luana entre risos.
 Sarah tinha um sorriso no rosto, apesar do cansaço. Não teria forças pra segurar o telefone no ouvido de novo, por isso discou o número da empresa de táxi e ligou no alto-falante.
- Alô? Eu preciso de um táxi no centro, no primeiro ponto de ônibus na frente da farmácia de esquina…
- OK. Em breve um veículo estará aí. – respondeu uma voz feminina, que desligou.
De repente, ela se deu conta de que não precisava ter esperado todo aquele tempo por um ônibus, podendo ter pedido um táxi assim que saiu de casa. Mas que naquilo também teve uma vantagem: ela pôde pensar um pouco mais em sua vida, e conheceu aquela desconhecida e bondosa senhora que lhe dissera todas aquelas coisas tocantes.
Afinal, nada nesse mundo acontece por acaso.
Depois de alguns minutos, o esperado táxi chegou. Sarah saltou do banco e entrou.
- Na frente do hospital militar, por favor. – indicou ela ao motorista.
Ela olhava distraidamente pela janela, e quando avistou os homens de farda na frente de um enorme portão, seu coração disparou, por saber que chegara ao seu destino. Exatamente no mesmo segundo, seu telefone tocou.
- Alô, Sarah? Tem um táxi aqui na frente, é você?
- Sim, acabei de chegar. O que foi que tua irmã falou?
- Eu contei teu caso e ela deixou. Pode dormir aqui o tempo que precisar. – ela riu. – Até me espantei com a boa vontade.
- Ah, por Atena, que lindo! Muito obrigada mesmo. Vou pagar o coitado do motorista e subir aí. – respondeu Sarah.
- OK. É o terceiro andar.
Pago o motorista, Sarah saiu do carro com suas coisas e correu até o prédio buscando o apartamento. Como não queria interfonar e acordar o resto dos moradores dali, mandou um toque rápido ao telefone da outra. Alguns segundos depois, a porta se abriu e elas falavam aos sussurros.
- Luana, ah, que bom te ver. – ela abraçou a colega.
- Que doideira, vem comigo e me conta essa história direito… – Luana puxou Sarah pela mão e ela assentiu enquanto era levada a um quarto cheio de pôsteres da banda Paramore, cuja porta foi trancada.
Sarah bufou e atirou-se na cama de Luana. Uma lágrima caiu de seu olho e ele contou tudo o que aconteceu, sem meias-palavras.
- Uau Sirka! Muita coragem da tua parte sair assim de casa.
- Pois é. Consegui praticar minha palavra favorita. Eu tenho dinheiro pra viajar e quero fazê-lo o mais rápido possível. Nosso pacto ainda tá de pé?
- Claro! Falei com meus pais e esse meu amigo que mora em Londres, tá tudo certo. Também tenho dinheiro, eles me ajudaram nisso, e com o visto. Daqui a mais ou menos um mês nós podemos ir sem pepino. – disse Luana com um grande sorriso.
- Pelos deuses, que bom! – Sarah pulou da cama e reprimiu um grito maior.
- Mas seus pais sabem onde você tá, o que você quer?
- Como já disse, deixei um bilhete pra eles explicando tudo, e nem quero que me procurem. Preciso me virar sozinha agora, ir pra bem longe daqui, e realizar o nosso sonho contigo. – ela pegou a mão de Luana e elas sorriram juntas.
- É isso mesmo… Imagina nós duas, no meio daquele tanto de gente, naquelas ruas maravilhosas, tirando fotos no Big Ben e indo na plataforma 9 e ¾… Ai, caramba.
E a cada dia, Sarah e Luana aguardavam a chance de irem juntas pra Inglaterra, até que ele chegou.
Elas fizeram tudo o que queriam, juntas como prometeram uma para a outra. Até que inesperadamente encontraram as pessoas às quais deveram sua infância, lhes agradecendo por tudo. Isso foi o que deixou as amigas mais felizes, uma lembrança guardada pra sempre com fotos.
- Conseguimos, né Sirka? – perguntou Luana enquanto bebia café num pub londrino.
- Sim, com certeza. E de uma coisa eu sei: precisei desse lugar diferente e cheio de neblina pra lavar minha alma. Precisei fugir e realizar meu sonho pra me entender de verdade. E agora eu sei quem eu sou; e meu lugar é aqui, com você, na nossa Londres, perto do nosso trio. – respondeu Sarah com lágrimas nos olhos.
- Bom, se isso te faz feliz, eu também fico feliz. Porque, como você já me disse um monte de vezes, nós sempre podemos tornar nossos sonhos realidade com coragem.
E assim, as amigas seguiram bebendo café, e acima de tudo, com um sorriso verdadeiro no rosto.


agosto de 2011

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