Respiração acelerada, passos apressados. A bolsa escorregando pelo ombro, por pouco não derruba tudo. Sempre foi um desastre, esquecendo o zíper aberto e a aba levantada, largada de qualquer jeito nas cadeiras. Hoje não. E mesmo assim…
Estação lotada, um frio do cão, gente se esbarrando mesmo sem querer. Esperava que não tentassem puxar a alça da bolsa porque não queria ter que usá-la para bater em alguém. Ainda que pesasse, aquele peso estava ali para tudo menos manter posição de defesa.
Não queria pensar no que carregava como um fardo, por mais que às vezes parecesse tão fácil de se quebrar. Não importa o que dissessem, aquilo estava sempre pronto para ser usado, para ser compartilhado, sem medo, no seu tempo, apesar dos riscos.
Sentou no banco da estação assim que encontrou um espaço, com a bolsa no colo e as mãos sentindo o calor que vinha dali através do tecido. Olhou para frente e achou ter visto um vulto do outro lado dos trilhos. Percebeu que a hora estava chegando e sorriu para consigo. Abriu o zíper da bolsa e enfiou o punho dentro dela num gesto tão delicado quanto decidido enquanto caminhava em direção ao trilho.
Contou até dez sem desviar os olhos e lentamente foi retirando a mão cheia, mas firme, apesar da pegada estranha, de dentro da bolsa… E ouviu o grito chocado de quem notou o que pulsava frenético entre os dedos, quase como se quisesse saltar e ir embora por vontade própria. E quem disse que não queria?
Alguns desmaiaram, outros fugiram, outros ameaçaram chamar a polícia. Mas tudo o que fez foi abanar a cabeça e afirmar com serenidade que aquele bem era seu e que podia fazer com ele o que quisesse. Que nada no ato era novidade; a única diferença era a frieza do lugar, o idioma diferente. Alguns dos que ouviram as palavras se perguntavam o que aconteceria e pararam para observar.
Mais por medo da própria pontaria do que do ato em si, aproximou-se com cuidado da beirada, mas não o bastante para pensarem que estava bancando Anna Kariênina. Apreciou por mais um momento o peso do que estava em sua palma e se pegou numa espécie de transe que só foi quebrado por ter visto o vulto outra vez.
Lutou contra o espasmo do próprio punho, agachou-se e rolou o que segurava pelos trilhos com os olhos apertados… Bem na hora em que o trem passou e parou, fazendo seus muitos barulhos que induziam aos susto e ao corpo encolhido. Podia ter dado tudo errado.
Depois da eternidade que encheu os vagões e que o levou embora, quem ficou achou tudo aquilo loucura maior ainda depois que ouviu uma risada histérica misturada com choro de um lado, e um som parecido com ronronar do outro, vindo de quem agarrava o que foi jogado com as duas mãos - como um gato faz com novelos de lã. Empoeirado pelo caminho percorrido, mas intacto e que arrancou um suspiro de alívio.
“É teu agora, bichano. Fica com ele. Mas não é brinquedo, tá?”
“Eu sei, amor. Valeu esperar pra juntar esse coração com o meu.”
30/03/2021
- exercício de escrita proposto pela Maria Vitória do blog A Estranhamente
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