sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Cookies and cream?

Corri até a porta depois de ouvir a campainha e o que vi me intrigou. Era uma menina de uns 8 anos; olhos inquietos, o cabelo comprido puxado num coque seguro por um elástico mais bem-feito do que eu jamais havia conseguido ou conseguiria sozinho. Poderia ter ficado com inveja se gastasse mais tempo com o que tenho, mas não significava que não achava bonito. Provavelmente ou não ela fazia balé e aquilo era tão natural quanto o passar das horas.
Era pleno verão, então não fazia sentido perguntar o que ela fazia fora da escola. Quando descansei as mãos na soleira da porta, percebi que a pequena segurava caixas contra o corpo. Assim que levantou os olhos para mim, ensaiou um sorriso de dentes grandes.
- Awn, bom dia para você, senhorita. O que posso fazer por você?
- Como vai, senhor? – rápida mudança para tentativa de tom profissional e persuasivo. – Queria saber se não gostaria de alguns biscoitos neste belo dia. – A menina me indicou as caixas, abaixando a cabeça e cortando contato visual. Não é comum ver crianças vendendo biscoitos de porta em porta por aqui, mas quem sou eu para questionar?
- Prazer em conhecê-la. Biscoitos caseiros, é isso? – ela fez que sim e algo me disse que isso facilitaria as coisas para ela, então me aproximei mais da beira do degrau e me agachei, pensando um pouco comigo mesmo. Eu estava prestes a fazer chá, então disse que daria uma olhada e apanhei a caixa para espiar o conteúdo.
- FILHOOOOOO!! O CHÁ ESTÁ PRONTO!! – gritou minha mãe da cozinha.
- JÁ VOU, MÃE. – Virei-me para a menina. – Então. Seus biscoitos parecem deliciosos, hein? – ela deu uma risadinha satisfeita, meneando a cabeça. Claro que eu estava sendo educado, mas também era verdade. Acrescentei que compraria todos, já que pelo jeito só haviam três caixas.
- Mesmo? – o sorriso que vi no início se alargou.
- Isso aí. – Verifiquei a carteira e para meu alívio o valor que eu tinha na hora dava exato. Não queria incomodá-la tendo que contar troco. – Uma para minha mãe e meu pai, uma para o meu irmão e outra para o chá.
- Obrigada, moço alto! – Ela apanhou o dinheiro, se afastando, e foi nessa hora que me dei conta de que não havia me apresentado nem perguntado seu nome, então apenas ri e acenei adeus por ora. Ela provavelmente morava perto e talvez nos cruzássemos na rua de novo.
- Onde diabos você estava, menino? O chá está esfriando! – exclamou minha mãe ao se aproximar. Eu fechei a porta e mostrei-a as caixas de biscoito.
- Não faz mal, mãe. Vamos comer uns biscoitos. E esta outra caixa é para a senhora.
- Ah, muito obrigada... – ela fez uma pausa, me olhando enviesado. – Mas e o seu pai?
Eu dei de ombros com uma risada abafada.
- Isso é com você. Quer saber? Não vou mais dar a outra caixa para o João...
- Por quê?
- Aquele puto roubou minhas meias de novo.
- PFFFFFFTTT oras. Biscoitos, então. – Minha mãe gesticulou no ar, já voltando na frente para a cozinha. – Sugiro que você esconda bem essa coisa. Você sabe o quanto seu cachorro é sorrateiro e eu não o quero espalhando farelos no meu chão. – Ela cacarejou uma risada.
- Mentira! Ele é um bom rapaz. – Protestei ao puxar uma cadeira e sentar.
- Diz isso porque viaja muito e não o vê tanto assim. Você é o bom rapaz, não ele. – Minha mãe sacudia a cabeça enquanto colocava a chaleira de volta ao fogo.
A borda da caixa meio mastigada e os farelos debaixo da minha cama no outro dia só reforçaram a minha teoria de que os cães são os piores guardadores de segredo do mundo...

15/08/2019

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