Hoje já tenho mais noção dos privilégios que carrego no tanto de sangue europeu dentro de mim. E por conta disso, que não posso responder em pessoa pelos sofrimentos de tantas outras que não partilham do meu fenótipo - assim como não posso fazê-lo com quem não possua a mesma deficiência e/ou dificuldade de locomoção que eu.
Mas isso não me impede de achar injusto ver tantas outras passarem por situações tão constrangedoras ou mais, e me juntar a elas da maneira como me for possível. Não consigo nem imaginar o trabalho extra que elas precisam fazer.
Porque quem acha que mulher não tem que se provar para o mundo o tempo inteiro para não ser passada para trás e aprender a levantar a voz e a receber olhar torto quando isso acontece, vive dentro de uma bolha. E não sabe o quanto custa e demora para a gente aprender que pode e deve fazê-lo. Eu mesma estou nesse caminho - e como ele é longo...
Estou nele como mulher e deficiente física. O deficiente também precisa se provar, por mais descabido que seja. Provar que sabe do que está falando e fazendo; que pode estar em todos os lugares como os outros. Claro que cada coisa que conseguimos com as limitações que carregamos é uma glória que deve ser comemorada...
Mas fazer uma faculdade, poder trabalhar com o que se gosta e viver com dignidade é algo que todos querem, merecem e que é direito de todo mundo. E no entanto, olham para mim como um ser digno de contemplação. Que consegue absurdos com cada passo percorrido porque é subestimada duplamente: por ser mulher e pelo que a deficiência me tirou.
Eu já provei para mim mesma que posso muito há muito tempo, mesmo que eu ainda tenha absurdos a melhorar por dentro e por fora. Só quero viver, e não ter que ficar dando demonstração (nem para mim mesma). Mas o mundo ainda me pede mais. Não posso imaginar como é para as outras que se encaixam nas outras minorias também. Quem acha que isso não faz sentido, precisa sair da bolha imediatamente. Vocês não sabem do que estão falando e não têm o direito de nos dizer nossos papéis nesse mundo, porque ele nos pertence também. Muito menos de exemplo, a não ser que seja algo que a própria pessoa queira.
Até mesmo quem tem pessoas com deficiência na família pode dizer e fazer coisas do tipo, e a ignorância é muito cansativa, porque agora eu entendo o conceito de lugar de fala. Deve ser combatida, é verdade, mas já nem tenho paciência com ela em geral.
Letícia Bolzon Silva; graduada em Relações Internacionais pelo Centro Universitário UNINTER e Especialista em Tradução de Inglês pela Universidade Estácio de Sá. Escritora de prosa e poesia, redatora e tradutora freelancer.
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