segunda-feira, 20 de março de 2017

Um arrependimento

Tu és como a igreja gótica da minha cidade, onde eu fiz a primeira comunhão eras atrás, professando uma fé que agora vejo que nunca foi realmente genuína.

Tu és décadas de pedra sobre pedra em solidez cuidadosa com um dedo indicador pontudo e escuro apontando para (segundo a “oração” que levou um tempo para que eu pegasse durante a missa e que provavelmente sussurrei em vão nas poucas vezes em que me dei ao trabalho de fazê-lo) o que eu deveria desesperadamente aspirar e no entanto do qual nunca me sentir merecedora, pequena como sou.

Tu és paredes altas com teto que me lembram como olhar diretamente para o céu por muito tempo me deixa tonta e sem ar, como se eu estivesse me afogando, puxando-me sem piedade de volta para o chão.

Tu és temidos silêncios sussurrados em cores neutras entre os ecos dos meus próprios passos; minúsculos e atrevidos raios brilhantes de luz do sol vindo através das poucas e distantes janelas estreitas de vitral numa tentativa de soprar uma fagulha de vida nova em objetos dos quais me lembro principalmente sob luzes artificiais irritantemente pálidas.

Tu és como as figuras, sempre bem altas e imponentes em suas posturas estáticas encenadas, graciosas e cheias de dever, e seus olhos em cabeças levemente abaixadas me espiando em expressões de assustadora e até depressiva melancolia exagerada numa pureza que não me permite devolver seus olhares apropriadamente.

Alguns se escondendo nas sombras de alguns cantos, seus cadáveres expostos como o primeiro passo para a santidade de suas representações oficiais logo acima, saudosos em um tipo de ciúme negligenciado por devotos que certamente lembram mais facilmente a Madona de onde o nome do lugar foi tirado por sua estratégica posição centralizada acima do altar no que deveria ser o céu para onde uma versão adulta e agonizante de seu famoso filho vira a cabeça um pouco de lado.

Outros, humildes em sua popularidade, atrevem-se a postarem-se perto da porta por uma chance de louvor rápido em hora de profunda necessidade. Outros não parecem se importar com seus lugares sem flores, pois sabem seus lugares no Céu pelo que é dito que fizeram na terra. Tu és cada flor sob os pés deles, tu és a madeira dos bancos que esperam não vacilar sob o peso de tantos pares de joelhos pecadores dobrados em orações de arrependimento, sinceras ou não.

Tu és as luzes douradas de emergência ligadas num longo dia de confissões que logo tornou-se noite na espera por uma última e empolgada palavra e instrução do padre para o Grande Domingo, quando ele lembra da infância em gestos de mãos grandes e voz forte no meio daquela escuridão majestosa como o anjo das Revelações; como um sonho, silencioso e peculiar de certa forma, sem forma definida, fazendo meu coração palpitar dentro do peito e minha voz hesitar enquanto falo com a menina a meu lado.

Tu és como a pseudo-casa de um deus no qual eu posso nunca ter realmente acreditado, embora tenha tentado. Tu és a tímida luz vermelha que eu fui ensinada que o anjo carregava para indicar a presença espiritual do homem na cruz.

10 de dezembro de 2016

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