Anatomia de um quase corpo é um romance recentemente
publicado por Yara Fers de forma independente na Amazon KDP e concorre ao
Prêmio Amazon de Literatura.
Um romance bastante curto e escrito em primeira pessoa, se
utiliza de uma mistura de linguagem oral e informal e da ênfase imagética e dos
recursos linguísticos que tendem a ser encontrados na poesia para contar a
história de uma jovem em meio a várias pequenas mortes... E a vida que há entre
todas elas.
Yara divide o livro em capítulos igualmente curtos que vão e
voltam no passado, cada um focando num aspecto especial da rotina e de
acontecimentos relevantes na vida da protagonista Bárbara conforme ela reflete
sobre os antecedentes e consequências do acidente que a faz perder um membro do
corpo.
Os títulos dos capítulos parecem algo aleatório e estranho a
princípio, mas nada mais são do que a indicação do foco do capítulo e um adendo
ao aspecto poético do romance, cada um como um verso do poema resultante da
beleza e aspereza encontrada ao longo da jornada.
É justamente a perda do braço durante um dia de trabalho que
faz com que a protagonista se veja notando e questionando a vida que levava até
ali, bem como aprendendo a apreciar nasceres de sol, cervejas e notas de música
(e talvez se obrigando a fazê-lo).
Com a deficiência vem o olhar distorcido sobre si mesma e
aquele vindo das outras pessoas, a raiva pelo que se perdeu e talvez nunca
acontecerá, o lidar com a culpa que não se sabe em quem colocar, o afastar-se
daquilo que nos fazia bem por achar que aquilo não mais nos pertence... Até
entendermos o que fica.
Yara aborda essas questões de modo muito realista e
delicado, sem o sensacionalismo da superação de obstáculos que costumo ver na
televisão e detesto tanto como mulher quanto como portadora de deficiência. O
foco aqui está na cura de n outras coisas que a amputação apenas amplificou. A
busca por paz interior e pertencimento dentro de si e do todo através do banal.
Acredito que esse livro possa agradar quem queira ler
histórias escritas por mulheres sobre o ser mulher; a quem tão frequentemente
parece que algo falta por causa das escolhas que fazemos. Que quer ler
histórias sobre pessoas comuns, de vida comum, e que amem a vida (ainda que não
amem a vida que tinham). Isso foi o que mais gostei no livro... Porque corpo é
sempre corpo.